sexta-feira, 8 de junho de 2012

Federação Portuguesa de Futebol, um case study

Face ao escandaloso ranking dos custos por dormida de cada selecção do europeu de futebol que coloca Portugal no topo com 33 mil euros e Espanha no último com 4700 euros(embora me custe muito acreditar que conseguem alojar uma selecção e respectivo staff por apenas 4 mil e 700 euros diários havendo claramente aqui um problema de metodologia), Humberto Coelho, membro da comitiva, fez o comentário que já se esperava: não custou um tostão porque foi pago com prémios da UEFA. Procurando afastar-me da típica bipolaridade do povo português que oscila entre uma euforia desmedida pela selecção e um descrédito e mesmo rancor profundo, quero aproveitar a oportunidade para uma lição de economia. Esta ideia de que o dinheiro vai de um sítio (UEFA) para o outro (Federação) sem passar pela casa da partida (o Orçamento do Estado) e que por isso "é deles", é muito comum. É comum em institutos, entidades reguladoras ou qualquer tipo de organização com fins públicos que tenha em seu poder a capacidade de cobrar alguma espécie de taxa ou licença pela utilização de um recurso público, seja o solo português para fazer estradas, meter cabos e canos, o espectro, o ar para andar com aviões, as fronteiras para deixar entrar turistas etc. Como recebem directamente o dinheiro porque têm a função de cobradores, ficam com a ilusão de que são autónomos, como uma empresa (e logo uma monopolista) e só precisam de dar um excedente ao estado no fim de cada ano.

É por este motivo tão prosaico que existe uma certa cultura de despesismo e luxo neste tipo de entidades: procura-se gastar o mais possível para reter as "receitas" daquele ano e evitar "perder" dinheiro para o estado. A Federação Portuguesa de Futebol não é diferente, aliás, é provavelmente a mais mimada de todas e a julgar pelos números (já lá vou) aquela que melhor segue a máxima do estoirar até onde dá. A FPF explora talvez a expressão máxima do activo intangível "Portugal": o nome, a cor, a bandeira, o hino, a história, o patriotismo e claro, o direito a participar nas provas oficiais da UEFA. E se o recurso natural "jogadores portugueses" não é suficiente, naturalizam-se os que forem precisos.

Só em 2010 se extinguiu o curioso estatuto de utilidade desportiva pública à Federação, estatuto que lhe garantia 1,8 milhões de euros por ano pagos directamente pelo estado português. Contudo, mesmo que recebesse este subsídio, Humberto Coelho (e qualquer outro dirigente), podia alegar que o dinheiro que é utilizado para pagar o hotel na Polónia é aquele que vem dos prémios da UEFA, pois é também muito comum a ideia, em Portugal, de que o dinheiro se mantém compartimentado na mesma conta. Basta ouvir os nossos governantes quando dizem que o que vão cobrar especificamente ali, vão aplicar especificamente acolá.
 
A Federação movimenta milhões em direitos e patrocínios, mas esse dinheiro também é nosso, ou do Estado, porque o Estado podia atribuir a outra entidade qualquer o direito de explorar o activo intangível "selecção portuguesa", que não é diferente do ar, do mar ou do solo. O Estado podia (e devia) exigir essas receitas e redistribuir como fosse melhor. À FPF caberia aquilo que conseguisse justificar com orçamentos anuais. Assim, a FPF consegue a proeza de prever lucros de apenas 150 mil euros, quando tem 37 milhões de euros de receitas. Por mágica coincidência (ou pelo motivo que expus acima) as despesas somam quase o mesmo valor das receitas.

 Em 2010/2011: Na proposta da direcção, a que a agência Lusa teve acesso, estão previstos 37,741 milhões de euros de despesas, contra 37,891 de proveitos, «valores que representam um ligeiro aumento em relação à época de 2009/2010».Isto é que foi pontaria, ficou ali rés vés Campo de Ourique, à continha. Mesmo assim ainda sobraram 150 mil euros para uma gorjeta. Era só mais umas noites nos hotéis certos ou subir um bocadinho de nada os prémios de jogo aos atletas e conseguiam acertar as contas.

Até porque os atletas merecem, vestir o recurso português que é a camisola das quinas não deve ser fácil, é muita pressão, ainda por cima depois de épocas esgotantes em clubes de topo onde também há muita pressão. A Federação Portuguesa de Futebol só paga prémios que mal chegam aos 112 mil euros (a cada jogador) com os apuramentos. Só o Ricardo Carvalho por exemplo (e é só um exemplo e eu até gosto muito dele como jogador) pela sua titularidade na selecção entre 2004 e 2011 recebeu mais de 900 mil euros em prémios.

Depois de escrever isto, vou fazer um esforço para evitar ressentimentos e aproveitar bem o Europeu porque adoro futebol. Ficam por isso aqui os meus votos de boa sorte à Irlanda.

4 comentários:

POC disse...

Grande Irlanda.

De resto, deixei aqui a minha opinião acerca da Selecção. Calculo que existão pontos comuns com o teu pensamento:

http://simaoescuta.blogspot.pt/2012/06/portugueses-vs-portugueses.html

Stiletto disse...

Esta mentalidade tão Portuguesa põe-me doente, dá vontade de os correr a todos à chapada, a verdade é que não acredito que possa vir alguém, um dia, pôr ordem nisto.

Tiago disse...

escândalo é o que ganha o Zeinal sem saber sequer dar um chuto numa bola!!! haha

a.i. disse...

Obrigada pela lição de economês, Tolan, incluindo a não consignação de receitas.