segunda-feira, 27 de maio de 2013

cachorro quente

Não me recordo se estava com papeira ou com febres reumáticas, mas sei que a companhia de um cão quente, a suspirar-me para cima nos intervalos das sonecas, ajudou bastante. Tenho saudades de poder faltar à escola por estar doente e ficar de cama a ler, com a minha mãe tomar conta de mim e de ter um cão feito botija de água quente e urso de peluche, a ressonar ao meu lado. Não queria estar demasiado doente, apenas o suficiente para não poder ir à escola. Não era fácil conseguir esse equilíbrio. A maior parte das vezes, após um breve e desconfiado diagnóstico maternal, era-me negado esse privilégio e tinha de ir tomar banho e vestir-me. Era muito raro adoecer como deve ser, de modo a que a convalescença fosse agradável. A papeira foi um martírio. A varicela, se tirar o choque de me ver coberto de borbulhas, foi excelente; não me doeu nada e garantiu-me uma semana de reclusão. É certo que ao fim de uns dias começava a nascer-me uma ansiedade, fosse por faltar às aulas e perder matéria, fosse por temer que os meus amigos, às tantas, se habituassem à minha ausência e se divertissem na mesma, ou mais até.

Infelizmente uma pessoa depois cresce e torna-se difícil conseguir uma doença adequada. As que nos deixam de cama são normalmente mesmo muito más. Recordo-me de um fim de dia em Santa Apolónia em que me arrastei para a cama a tremer de febre, assim que cheguei do trabalho. Vivia sozinho, a casa era velha, cheia de pó, fendas e correntes de ar. Os autocarros sacudiam o soalho e chocalhavam as vidraças sujas de cada vez que passavam na rua apertada, como se todo o prédio também tivesse febre. E ali, sozinho, senti uma falta do cão quente, da canja da mãe... Fui à cozinha comer atum directamente da lata e deitei-me cedo. No outro dia estava no trabalho, como de costume.

16 comentários:

Peppy Miller disse...

saudosismo

MDRoque disse...

Que fofinhos :*) :*) ...guarda bem a foto, para poderes daqui a uns aninhos dar um bom exemplo dum Gazeteiro e o seu Fiel cão... gira história para adormecer... o conto é delicioso...

Matilde disse...


Devia ser papeira. Reumático num menino dessa idade, não sendo um caso inédito é, contundo, de fracas probabilidades. Papeira e normal ter passado com o bafo do cachorrinho amigo e pelos cuidados e carinhos da mamã.
No segundo caso acho que nem foi doença nenhuma e estou em crer que isso ocorreu a um fim-de-semana após a mais um desagradável revés proporcionado pelo Benfa, e foi mais desgosto que doença propriamente, daí um simples sono e uma lata de atum serem mais do que suficientes para o porem operacional no dia seguinte.
Cumprimentos.
Matilde.

a.i. disse...

eu tive pena da última parte, até imagino que o cenário fosse uma certa rua paradisíaca

Palmier Encoberto disse...

Era tão bom… eu tive uma cadela muito maneirinha, uma Doberman, que, às escondidas da minha mãe e para não ser corrida, entrava para dentro da minha cama e se espalmava de tal maneira debaixo do edredon que ninguém reparava que ela lá estava. E nem era preciso estar doente, nem nada :)

Matilde disse...

Oh Palmier. Eu tive um galo chamado Jean Pierre que também dormia comigo às escondidas da minha mãe, e que teve um destino muito dramático, mas não posso contar porque o blog não é meu.

Ricardo disse...

Eu tentei dormir com o meu cão uma vez.




Uma vez.

MDRoque disse...

Eu durmo com 2 gatos rafeiros, assim tipo mais Maria Cachucha... são uns bichos estupendos ...

Annie disse...

que foto maravilhosa :)

Mariam disse...

Apesar da expressão dramática, vê-se bem que estavas nas nuvens e o canito também. A mim palpita-me febre reumática, a papeira dava papada no pescoço e papas de sarrabulho para aliviar, e não se vê nada disso ali (ou na tua geração a papeira era mais clean ;-)

Em adulto não tem piada nenhuma adoecer. Mesmo que estejamos menos doentes do que na infância, só esse desconforto de ninguém cuidar de nós dói tanto que ficamos logo doentíssimos.

Anónimo disse...

A Dona Matilde também já pica o ponto no Tolan?

Ana.

Tolan disse...

A minha mãe tem esta foto na carteira há duas décadas. Passei vergonhas na altura dessa foto, com ela a abrir a carteira no supermercado Stock de Torres Vedras e a dizer "são os meus dois filhos" à miúda gira da caixa -_-

Tolan disse...

este fds pedi para ela scanerizar a foto porque pelo aspecto dela, não ia durar muito mais tempo... e ri-me, ao lembrar-me daquelas vergonhas do "são os meus dois filhos".

Tolan disse...

Quanto à "Ana" que pergunta se a Senhora Matilde pica o ponto aqui, a Senhora Matilde, pelo que me foi dado a perceber, é dolorosamente do Benfica e como tal, tem tratamento VIP por parte da casa! :)

Sister V. disse...

Um cão quente ajuda sempre :) Valha-me Deus, fiquei com saudades de estar doente e de ser miúda...

Anónimo disse...

Sabes qual foi o resultado do final da taça? É que não têm dado noticias sobre isso na televisão...