Não me recordo se estava com papeira ou com febres reumáticas, mas sei que a companhia de um cão quente, a suspirar-me para cima nos intervalos das sonecas, ajudou bastante. Tenho saudades de poder faltar à escola por estar doente e ficar de cama a ler, com a minha mãe tomar conta de mim e de ter um cão feito botija de água quente e urso de peluche, a ressonar ao meu lado. Não queria estar demasiado doente, apenas o suficiente para não poder ir à escola. Não era fácil conseguir esse equilíbrio. A maior parte das vezes, após um breve e desconfiado diagnóstico maternal, era-me negado esse privilégio e tinha de ir tomar banho e vestir-me. Era muito raro adoecer como deve ser, de modo a que a convalescença fosse agradável. A papeira foi um martírio. A varicela, se tirar o choque de me ver coberto de borbulhas, foi excelente; não me doeu nada e garantiu-me uma semana de reclusão. É certo que ao fim de uns dias começava a nascer-me uma ansiedade, fosse por faltar às aulas e perder matéria, fosse por temer que os meus amigos, às tantas, se habituassem à minha ausência e se divertissem na mesma, ou mais até.
Infelizmente uma pessoa depois cresce e torna-se difícil conseguir uma doença adequada. As que nos deixam de cama são normalmente mesmo muito más. Recordo-me de um fim de dia em Santa Apolónia em que me arrastei para a cama a tremer de febre, assim que cheguei do trabalho. Vivia sozinho, a casa era velha, cheia de pó, fendas e correntes de ar. Os autocarros sacudiam o soalho e chocalhavam as vidraças sujas de cada vez que passavam na rua apertada, como se todo o prédio também tivesse febre. E ali, sozinho, senti uma falta do cão quente, da canja da mãe... Fui à cozinha comer atum directamente da lata e deitei-me cedo. No outro dia estava no trabalho, como de costume.
16 comentários:
saudosismo
Que fofinhos :*) :*) ...guarda bem a foto, para poderes daqui a uns aninhos dar um bom exemplo dum Gazeteiro e o seu Fiel cão... gira história para adormecer... o conto é delicioso...
Devia ser papeira. Reumático num menino dessa idade, não sendo um caso inédito é, contundo, de fracas probabilidades. Papeira e normal ter passado com o bafo do cachorrinho amigo e pelos cuidados e carinhos da mamã.
No segundo caso acho que nem foi doença nenhuma e estou em crer que isso ocorreu a um fim-de-semana após a mais um desagradável revés proporcionado pelo Benfa, e foi mais desgosto que doença propriamente, daí um simples sono e uma lata de atum serem mais do que suficientes para o porem operacional no dia seguinte.
Cumprimentos.
Matilde.
eu tive pena da última parte, até imagino que o cenário fosse uma certa rua paradisíaca
Era tão bom… eu tive uma cadela muito maneirinha, uma Doberman, que, às escondidas da minha mãe e para não ser corrida, entrava para dentro da minha cama e se espalmava de tal maneira debaixo do edredon que ninguém reparava que ela lá estava. E nem era preciso estar doente, nem nada :)
Oh Palmier. Eu tive um galo chamado Jean Pierre que também dormia comigo às escondidas da minha mãe, e que teve um destino muito dramático, mas não posso contar porque o blog não é meu.
Eu tentei dormir com o meu cão uma vez.
Uma vez.
Eu durmo com 2 gatos rafeiros, assim tipo mais Maria Cachucha... são uns bichos estupendos ...
que foto maravilhosa :)
Apesar da expressão dramática, vê-se bem que estavas nas nuvens e o canito também. A mim palpita-me febre reumática, a papeira dava papada no pescoço e papas de sarrabulho para aliviar, e não se vê nada disso ali (ou na tua geração a papeira era mais clean ;-)
Em adulto não tem piada nenhuma adoecer. Mesmo que estejamos menos doentes do que na infância, só esse desconforto de ninguém cuidar de nós dói tanto que ficamos logo doentíssimos.
A Dona Matilde também já pica o ponto no Tolan?
Ana.
A minha mãe tem esta foto na carteira há duas décadas. Passei vergonhas na altura dessa foto, com ela a abrir a carteira no supermercado Stock de Torres Vedras e a dizer "são os meus dois filhos" à miúda gira da caixa -_-
este fds pedi para ela scanerizar a foto porque pelo aspecto dela, não ia durar muito mais tempo... e ri-me, ao lembrar-me daquelas vergonhas do "são os meus dois filhos".
Quanto à "Ana" que pergunta se a Senhora Matilde pica o ponto aqui, a Senhora Matilde, pelo que me foi dado a perceber, é dolorosamente do Benfica e como tal, tem tratamento VIP por parte da casa! :)
Um cão quente ajuda sempre :) Valha-me Deus, fiquei com saudades de estar doente e de ser miúda...
Sabes qual foi o resultado do final da taça? É que não têm dado noticias sobre isso na televisão...
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