sexta-feira, 30 de novembro de 2012

crítica musical

Fixem este nome: Veronica Falls. E etc. *****

um truque literário

Tenho alguma relutância em partilhar os meus truques, enfim, nisto da escrita há muito de magia, muito de encenação e é preciso dar margem ao leitor para nos imaginar como mais lhe convém. Então cá vai: quando escrevo para o romance  - neste momento trabalho no 2º - tenho em cima da secretária estes dois peluches que comprei no IKEA:
Trata-se do Raposo Extremoso e o Raposinho Rebelde. Se no primeiro romance, que se encontra em apreciação editorial, eu tinha essencialmente uma Plaft imaginária em mente com quem queria  mitigar a minha terrível solidão e desespero existencial que me impelia para um inexorável suicídio lento pelo alcoolismo, neste aqui o público é mais amplo, quer em número, quer em termos de faixa etária. Os mais atentos podem observar que se tratam de raposas. De facto, são raposas, a observação dos mais atentos não é incorrecta. Escolhi estes dois porque vinham juntos e porque após uma breve troca de impressões houve alguma empatia no que respeita a cores favoritas e ao melhor disco dos Beatles (azul, white album). E por cada peluche, há um euro que vai para educar crianças pela fundação do IKEA, o que pode ajudar às vendas pois crianças mais educadas podem ler-me quando forem adultas e eu já for velho e não tiver reforma devido à falência do estado social. É portanto, um investimento. Desenganem-se os que pensam que o livro é um livro infantil. Não há nada de infantil em raposas, podia ter escolhido focas ou pinguins por exemplo, se a ambição fosse essa. Trata-se também de um passo intermédio para um dia eventualmente escrever para "homens". Para já, são os dois do sexo masculino, isso é um avanço. Ao mesmo tempo, não comprometemos totalmente o sexo feminino. É bastante fácil prever que a Plaft ficará curiosa ao observar o Raposo Extremoso a ler o primeiro draft ao Raposinho Rebelde, os dois ora a esfregar a pança de rir, ora a ensopar a pelúcia de  lágrimas amargas de raposa. O golpe decisivo serão os momentos em que o Raposo vai tapar os olhos ao Raposinho e a passar à frente no texto, olhando para mim com ar meio censurador, meio cúmplice e lambão.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

a salvar épocas desde 1906

"Vencer o Benfica pode salvar a época". -  Rui Oliveira e Costa, membro do Conselho Leonino.

É um jogo dificílimo de preparar. Imagino perfeitamente Jorge Jesus a partir a cabeça dos seus técnicos para encontrarem segmentos de vídeos de jogos do Sporting em que a equipe demonstre os seus pontos fortes, o seu desenvolvimento táctico, as suas movimentações ofensivas e defensivas. O ponto forte do Sporting será um certo efeito surpresa na táctica, dependendo dos jogadores que joguem pior nesse dia. No fim, Jesus deve ficar apenas com uma espécie de colectânea de fails de youtube com uns três minutos, perante a qual o seu plantel não consegue conter o riso e concentrar-se. Será difícil responder ao esforço de imaginação que Jesus pede: «aqui assim imaginem a defesa do Sporting a subir em linha» ou «imaginem que os jogadores estão a correr nesta transição defensiva». Dito isto, tudo pode acontecer no jogo. O Benfica tanto pode ganhar por 2-0 e comprometer a época do Sporting como por 5-0 e comprometer ainda mais a época do Sporting.

rituais

Em minha casa sempre se discutiu e muito. É que discutíamos tudo, não havia refeição e telejornal que não acabasse com alguém a levantar-se da mesa (normamente eu) por diferendos de diversa índole, desde ideológicos e metafísicos, às mais corriqueiras desavenças familiares.

- Não é nada disso, vocês é que são uns comunas!
- Tu é que és um fascista meu egoístazeco, quem é que te paga as contas?
- Eu se quiser saio de casa, ouviste?
- Então sai! Mulher, ajuda-o a fazer as malas!
- Nãaaao, o meu fiiiillho!
Depois comia o jantar no quarto, muito amuado. Era giro, de certa forma era uma actividade como outra qualquer. No entanto, tinha noção da disfuncionalidade do meu núcleo familiar uma vez que as famílias dos meus amigos pareciam todas encantadoras e equilibradas e eu sentia-me mal e muitas vezes usava este tema para discussão em casa.
- Estamos sempre a discutir!
- Tu é que estás sempre a discutir!
- Eu sou o filho, vocês são pais, se eu sou assim a responsabilidade é vossa! - e abria velhos livros de psicologia juvenil e pousava-os na mesa com estrondo, com o indicador pousado numa frase que dizia que a criança era o resultado do meio social e familiar ou outra cretinice do género. Tinham sido escritos por hippies nos anos 60, eram completamente imbecis e eu sabia-o, mas fazia-o apenas por provocação. Os meus pais, que os compraram todos entusiasmados, também os começaram a achar desactualizados e irrealistas quando eu cheguei à puberdade. Lembro-me que o meu pai começou a interessar-se por armas medievais nessa altura, até construiu uma besta com um arco em fibra de vidro.
Às vezes eu ia a casa de amigos e ficava muito espantado. Eles tratavam o pai por você e davam um beijinho e reinava principalmente o silêncio durante as refeições, por vezes interrompido por conversa ligeira. A mãe servia a comida sem se queixar constantemente de ter feito o jantar depois de um dia de trabalho. O pai via as notícias e fazia apenas alguns comentários.
- Então como correu o dia?
 - Correu bem, pai. E o seu?
Ficava sempre à espera que qualquer coisa explodisse. Na minha casa, quando se falava pouco à minha mesa é porque alguém estava a engatilhar uma discussão épica, do género o meu pai estar todo fodido porque eu tinha enchido o computador de virus ou a minha mãe de olhos postos no prato de sopa, furibunda por causa das pegadas de lama do meu pai no soalho acabado de encerar. Mas ali na casa dos meus amigos não, eu ficava expectante e nada sucedida. Só anos mais tarde se vinha a saber que o pai tinha uma amante ou que a mãe era internada com uma depressão e divorciavam-se e os meus amigos também ficavam com depressões e mudavam de curso superior constantemente, alguns até iam parar a cinema, enfim, o cúmulo. Na minha casa nunca houve disso, ficaram casados até que a morte os separou. As discussões entre os dois foram esmorecendo devido a cansaço, um pouco como as luzes de uma lanterna com as pilhas cada vez mais fraquinhas. No fim, já só arrebitavam um bocadinho quando eu lá ia aos fins de semana.
- Vens cansado! Andaste nas boites? Gastas o dinheiro todo em porcarias!
Matavam as saudades assim e era duro porque quando eu aparecia lá já não discutiam um com o outro pois tinham tempo de sobra para o fazerem durante a semana. Não, ao fim de semana tinham de aproveitar bem o tempo comigo. Para garantir que tinham bastante tempo, a minha mãe começava por me acordar às 9:00 com o aspirador no meu quarto: 'aspiro sempre às 9 e não vou mudar isso porque o senhor príncipe quer dormir, andaste nas boites, gastas o dinheiro todo em porcarias'. Era muito complicado curar as ressacas naquela casa. 

Agora sou só eu e a minha mãe e então as coisas são mais sossegadas. Eu sento-me no lugar que antes era do meu pai e evito ver o telejornal. Ela não deixa de me enervar com profissionalismo, mesmo operando sozinha, porque decidiu  juntar ao seu arsenal de provocações o cepticismo e o pessimismo militantes que eram próprios do meu pai. Sabemos que dois minutos depois daquele 'humm...' após o nosso relato de algo extremamente injusto que nos aconteceu vai aparecer o tradicional 'tens a certeza que isso é mesmo assim como dizes?'. Por isso parece tão estranho a outras pessoas que um simples 'humm...' da nossa mãe possa originar tal reacção. Estás a exagerar, oiço, tudo porque me levantei da mesa mal ouvi aquele preâmbulo do 'humm' e ameacei ir já para Lisboa a 200 à hora, ouviste mãe, a 200 à hora que é como eu ando quando volto da "boite"  todo alcoolizado, mãe! Depois acalmo-me, a tempo da sobremesa e do café. A minha mãe faz uma excelente mousse de chocolate e eu ofereci-lhe uma Dolce Gusto aqui há tempos que faz um rico capuccino. E despachamos o resto do vinho, falamos de livros e filmes e ela anota as minhas recomendações num papelinho... De fora, isto pode parecer um bocadinho desconcertante, mas é tudo muito normal para nós.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

incompreendidos

Agora ando de bicicleta outra vez, dia sim, dia não. Subo Lisboa toda e quando chego a casa estou todo transpirado, ontem até estava ensopado de chuva e gelado. Sinto-me como se fosse um lenhador a regressar à cabana depois de um dia à mercê dos elementos. A Plaft tem dificuldades em ver isso dessa forma. O que ela vê é uma pessoa a encher o hall de pegadas de botinhas, com uma bicicleta desdobrável com sacola acoplada, vestido com um blusão fluorescente, luvinhas à michael jackson e um capacete de ciclista com uma luz estroboscópica a piscar e a precisar de um banho antes de vir para a mesa. Fiquem agora com esta música muito bonita que me faz pensar em sexo e em como as mulheres gostam de ser tratadas como objectos na cama e não só. Palmadas nesse rabo é pouco para ti, Plaft, é pouco.

antes do 1º café

Demorei uns segundos (tempo demais) a perceber por que motivo a busca por "Céline" no google images me devolveu milhares de fotos horripilantes da Céline Dion.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

é todo um mundo

Não é nada cerebral, escrever é como ser pirómano, uma faísca e essa faísca provoca um incêndio e só temos de arranjar a lenha para ele arder e certificar-nos de que não se apaga. Entretanto ele espalha-se em várias direcções. Por exemplo, hoje sonhei que era físico e que a minha equipa de investigação tinha ganho um prémio, graças a uma ideia que tive. Lembro-me da ideia com todo o detalhe. Consistia em duas fibras helicoidais entrelaçadas uma na outra num fio finíssimo, semelhante a fibra óptica. Contudo, ao invés da fibra óptica que passa apenas 0 e 1's à velocidade da luz, a minha dupla fibra helicoidal gerava um efeito de prisma de refracção da luz e permita a transmissão instantânea de todo o espectro de luz, o que significava uma capacidade infinita de bits, de informação. O efeito era conseguido pela rotação microscópica das fibras para gerar diferentes cores quando um feixe de luz incidia na extremidade da dupla fibra, ao sobrepor zonas com materiais diferentes e densidades diferentes. Um arco íris, milhões de arco íris nas redes de informação e nos próprios chips pois a tecnologia podia ser microscópica. Com isto, não havia mais limitações de débito de informação. E apesar de me sentir orgulhoso pela descoberta (fui entrevistado para o jornal da 1 da RTP1) senti que não era nada assim tão importante, que o débito de informação infinito não resolvia os problemas básicos do mundo e acordei um pouco inquieto. Depois tomei banho, comi torradas, bebi sumo de laranja e um café e fui para o trabalho de bicicleta. Depois voltei para casa ao fim do dia (apanhei uma molha) e ao jantar contei o sonho à Plaft e ela disse-me 'se calhar devias patentear isso' e eu respondi-lhe 'esta tecnologia não resolve os problemas mais importantes do mundo' e ela concordou e depois falámos de outras coisas.

perfect soundtrack for exceis and powerpointes

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

os animais são outros

Classificam na lei um "animal" como uma coisa. Um homem arrasta um cão atado ao pára-choques do carro e deve levar uma multa de 500 euros porque "o estado nestes casos costuma aplicar a coima mínima".

As leis são um reflexo da sensibilidade moral dos povos. A lei actual representa o que os portugueses pensam dos animais? Tenho dúvidas. Esta ideia é católica, a da separação entre homem e do resto dos seres vivos que têm um papel utilitário. Qualquer pessoa que prive com gatos ou cães, tende a colocar de parte estas concepções de homens vs. resto da natureza. Reconhece nos animais exactamente os mesmos sentimentos que no homem: amor, medo, ciúme, alegria, tristeza, capacidade de sonhar... A lei é desfasada e anacrónica daquilo que é o sentimento de moral actual, como são tantos outros dogmas da igreja nos quais muitos católicos, especialmente os mais jovens, não se revêem. Neste momento, a lei considera que um tipo que arraste um cão atado ao carro pela estrada comete um crime inferior a não ter um chip numa matrícula electrónica. Num estado americano como Washington um tipo pode ir parar à cadeia 6 anos por maltratar de propósito um animal. Até quando vamos continuar a ter leis de idade média?

chinatown

A descoberta dos supermercados chineses do martim moniz mudou a minha vida. Há anos que me limitava a fazer aproximações às receitas de pelo menos três livros de cozinha asiática que tenho, incluindo um de clássica chinesa cujas receitas se equiparam, a nivel de dificuldade e tempo de preparação, à melhor nouvelle cuisine francesa (fiz um pato uma vez que me demorou 3 horas a preparar, fumado, cozido a vapor depois panado e frito inteiro). Agora está tudo ali e é genuíno, é a mesma coisa que eles usam, com rótulos incompreensíveis e breves explicações em etiquetas lacónicas coladas aleatoriamente. Finalmente tenho molho de soja escuro e claro, molho hoisin, vinagre de arroz, molho de feijão preto, molho de peixe, óleo de sésamo genuíno, molho de ostra, molho teriyaki, wan ton e giosas congeladas, 500 mil tipos diferentes de noodles, frescas ou instantâneas que metem a porcaria que se vende no pingo doce a um canto, pasta de camarão, peixe seco, bambu seco, cogumelos secos, mistura de 5 especiarias, farinha de arroz, tofu decente... nunca mais acaba! E ainda me metem as compras no saquinho como na mercearia! Viva a imigração é o que vos digo, isto parece um sítio civilizado, uma cidade a sério. Já temos as lojas de conveniência dos pakis que, a preços altamente competitivos, substituíram o monopólio dos overpriced Extras, das bombas de gasolina e rebentaram com o conluio dos bares do bairro alto com a cerveja a 1,5€ em vez dos 2€.

isto está mesmo mal

O DN está a disponibilizar contos gratuitos de autores portugueses: João Tordo, Luísa Costa Gomes, Rui Zink, Inês Pedrosa. Hmm.. Parece-me tão tentador como ler cadernos de publicidade do Expresso. Não queria ser mauzinho porque a minha aspiração de vida é ser colega destas pessoas e participar em conferências com elas sob o tema «A Literatura Portuguesa  e o seu Papel na Sociedade Contemporânea - Reflexo do Tempo ou Universo Paralelo?» e então tenho-me contido. Mas hoje li isto: «Depois de Pedro Mexia, na quarta-feira, será a vez de Fernando Alvim.» Jesus Cristo Virgem Santíssima... eu tento, eu juro que tento...

domingo, 25 de novembro de 2012

rotina

A minha Plaft tem sonhos um pouco infantis, acordei-a com crepes de queijo e chá e hoje sonhou que "era eleita a melhor do mundo, tinha 308 milhões de votos" (especificou o número). "A melhor em quê?" perguntei eu, ensonado. "A melhor", respondeu-me. Depois à tarde, a dormir no sofá (o dia de hoje foi particularmente relaxante por estas bandas) acordou a dizer que tinha ganho um prémio. "Um prémio, Plaft?". Sim, "o da melhor investigadora". Investigadora. Na televisão, o genérico final de um episódio do Crime Disse Ela. Está explicado. Agora estamos a comer biscoitos que ela fez pela primeira vez. São biscoitos de chocolate em forma de coração (comprei-lhe um kit de pasteleiro no ikea, com moldes). Há algumas bolhas nos biscoitos e ela disse-me que eram corações com tumores. Vamos agora ver o Troll Hunter e acabar com o vinho.

estar sozinho


Quando estamos sozinhos há coisas como um corte a fazer a barba, a nódoa de sangue no colarinho, uma pedra de calçada que não encaixou, um rosto bonito e ausente no metro, o gesto com 5000 anos do empregado do bar a pousar o copo, nuvens de fumo a sair da mão, um quarto de hotel num sítio estranho, garrafas vazias atrás da porta, gotas no pára-brisas e angústia de ir para a cama sem estar completamente ko. Há noites em que alguém respira ao teu lado mas é um som semelhante ao da chuva na caixa dos estores.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

"O Broche da Loucura", de Vincent Gallo ("Brown Bunny" no original)



"Cada um é como Deus o fez, e muitas vezes até pior" - Cervantes

Gostei muito do Túnel de Ernesto Sábato. Arrumou-me um tema que pensei tratar: o ciúme. É o sentimento humano mais forte e mais interessante. Pus esse projecto de parte e volto aos Guaxinins Neuróticos, a minha especialidade digamos assim (creio que nem Cervantes, nem Shakespeare, nem Homero abordaram o tema dos Guaxinins Neuróticos). Terminei uns contos da Dorothy Parker, é muito boa mas há qualquer coisa de superficial ali, pelo menos nos contos, que a impede de ser comovente mesmo quando tenta. O melhor reside nos retratos irónicos. Por falar em escritores que não conseguem comover muito, voltei a ler uns contos de Nabokov. Ora aí está um senhor Escritor. É uma coisa verdadeiramente impressionante, o domínio das imagens oníricas, a fluidez com que se encaixam metáforas inesperadas de forma completamente natural e como elas nos suscitam imediatamente a impressão certa. Qualquer pessoa que se tenha atrevido a tentar escrever reconhece o quão elegante e eficaz é uma frase como "por volta das quatro desceu para a espaçosa sala de leitura, onde a lareira exalava calor laranja e pessoas invisíveis se afundavam em sofás de couro com as pernas estendidas a saírem de jornais abertos". Continuo, contudo, sem entender para que servem magistrais peças do puzzle se as peças do puzzle nem sempre formam um puzzle comovente. Isso é notório quando os contos se concluem com o tradicional golpe implacável nabokoviano, um fim violento ou cruel que irrompe pela tranquilidade e logo desaparece, deixando atrás de si um rasto de faúlhas como um raio que fulminou uma oliveira. Sentimos que era suposto aquilo perturbar-nos, mas nem sempre isso sucede, o mais frequente é mantermos a mesma frieza intelectual do princípio ao fim. Nabokov em certos contos, mais se assemelha a um pintor do que a  um escritor, com as suas personagens e paisagens suspensas num tempo melancólico e distante como num velho quadro. Nada disto é um defeito, mas dá-se o caso de eu ter uma costela de costureirinha que tem de sentir empatia com o escritor(a) e o Nabokov apenas me parece desumano. É extremamente útil do ponto de vista técnico, mesmo nas traduções - só o li traduzido - porque podemos, com toda a certeza, considerar a frase nabokoviana como a frase perfeita, uma espécie de grau máximo na escala de Richter do que deve ser uma frase, um abalo de talento que dura do principio ao fim, enquanto que outros mortais apenas fazem oscilar nervosamente a agulha do sismógrafo cá em baixo no 2 ou no 3.


unleash the hounds of hell

Eu não sabia quem era o Pedro Arroja até o maradona falar nele. Eu não sei quem são as pessoas malucas que se levam a sério até o maradona falar nelas e é sempre muito divertido quando o faz.

Para resumir, o Pedro Arroja tenta ser espertalhuço com o maradona para responder ao texto que lhe é endereçado e escreve um texto muito estranho em que fala de "um tipo de pessoa" na qual o maradona se insere. Nesse texto, em que aprendemos que o Eduardo Prado Coelho partilha características com o maradona, salienta uns bocados a bold.Tomei a liberdade de copiar os bocados a bold:

«uma agressividade que se exprime por palavras»
«a concentração  é exclusiva em pessoas, não em ideias»
«gostam das palavras pelas palavras, e do efeito que elas produzem»
«gostam de espicaçar e de se sentirem o centro das atenções»
«o que prevalece é a emocionalidade sobre toda a racionalidade»
«o seus alvos são sempre homens»
«nunca abandonam o homem»
«a tendência do espírito para a divagação   » 

Ele não salientou estes bocados a bold por acaso. Fez tudo parte de um plano porque mais à frente diz:

«Comecei por dizer que estas personalidades são sempre homens. Mas, agora, se reparar*, todas as características que salientei em bold, são  características femininas. São homens com espírito de mulher. »

Deixo ao cuidado das gajas tesas o devido processamento de tão retumbante afirmação. Eu por mim acho que ele não tem razão, aquilo que ele mete a bold são as características que encontramos nos poetas, especialmente se interpretarmos o "nunca abandonam o homem" não no sentido de "nunca largam a presa" mas no sentido de fidelidade amorosa que existe nas relações entre o mesmo sexo. Mas é a minha opinião.

*percebi que é normal o Pedro Arroja dirigir-se ao leitor por "tu" ou "você". Acho que o faz porque causa um efeito muito poderoso no leitor, dá-nos a sensação de "meu Deus, ele está a falar para mim em específico, sinto-me hipnotizado" etc. Vi isso num episódio do Dog Whisperer.

o problema do Sporting

O Sporting quando foi campeão pela última vez tinha Beto, Rodrigo Tello, Paulo Bento, Pedro Barbosa, Hugo Viana, João Vieira Pinto, Quaresma e Jardel. Boa sorte.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

chip chip

Passarinhos.

pensamento lateral

Uma das coisas que mais gosto de fazer é começar a falar sem saber o que vou dizer. A única regra que me imponho, a única coisa a que me predisponho, é garantir que tudo o que eu disser vai rimar, mesmo que esteja completamente a parvar. Não pode existir qualquer pausa,  para ser grande a risota que isto na Plaft.. causa. Ficaria certamente melhor dizer "provoca", mas a palavra "causa" também não me choca. É um passatempo muito interessante, praticado pelo urso e pelo elefante, pois é sabido que os animais da floresta não passam a vida toda em festa. Têm momentos aborrecidos ao serão, quando não dá nada de jeito na televisão, então fazem jogos de adivinhas ou jogam à sardinha com as suas patinhas. Ninguém gosta de jogar com o urso, pois da brincadeira já adivinham o curso. O coelho fofinho vai ficar esmagado, o guaxinim completamente triturado, uma vez que o urso joga muito entusiasmado e é grande a força que imprime ao patado. Um dos truques para isto resultar, é saber a priori palavras a evitar, pois algumas parecem impossíveis de rimar, a não ser que se possa inventar. Uma dessas palavras é lâmpada, pois... que.. hmm... raios...

Crónica de uma família sem metáforas - a escola

- Muito bem meninos, vou fazer a chamada! - disse a professora. Tirou o telemóvel da mala e ligou a uma amiga, a combinar um café. Quando desligou, olhou para a turma e contou os meninos. O Carlos e o Luís estavam aos gritos e aos murros. A professora anotou no livro:  Todos presentes, excepto o Carlos e o Miguel que estão passados. Não há futuros. Depois de acalmar Carlos e Miguel, passeou pela sala e passou parte da manhã a distribuir pedacinhos de ferro a cada aluno.
- Pronto meninos, já dei a matéria de hoje. Amanhã dou cobre. Estudaram matemática? Ana, o que é um número ímpar?
- É um número espectacular, muito original. - respondeu Ana.
- Muito bem Ana. Carlos, o que é um número primo?
- É um número que aparece lá em casa no Natal ou na Páscoa e que é mais ou menos da nossa idade.
- Muito bem, Carlos. Luís, o que é um número racional?
- É um número muito ponderado, pensa sempre muito bem antes de fazer coisas.
- E um número natural?
- Não tem conservantes, professora! - responderam os alunos em coro
- Estou muito orgulhosa de vocês, meninos. E agora.... - tirou um embrulho com um laço - Teste surpresa!
Desembrulhou e distribuiu as folhas do teste e avisou: - Não quero canetas correctoras, ouviram?
Os meninos começaram a responder ao teste. O Miguel não resistiu, não tinha estudado nada e tirou a sua caneta correctora do bolso. Começou a responder ao teste. Quanto é 30 a dividir por 5? 
O Miguel escreveu 5 mas a caneta correctora logo lhe segredou ao ouvido: "pssh...é 6, mete 6" e o Miguel riscou e pôs seis. Tudo parecia correr bem, mas nesse dia chegou a casa a coxear muito, com as calças todas rotas no rabo e a sangrar.
- O que aconteceu? - perguntou a mãe ao vê-lo chegar naquele estado
- A professora chumbou-me!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

virgens que engravidam e zombies...


“Maria é um novo início; o seu filho não provém de um homem, mas é uma nova criação: foi concebido por obra do Espírito Santo”, escreveu o Papa (...)O Papa entende que a virgindade de Maria e a ressurreição de Jesus devem ser vistas pelos católicos como “pilares da fé” porque são sinais inegáveis do poder criador de Deus. “Se Deus não tem poder sobre a matéria, então Ele simplesmente não é Deus”, escreveu, segundo a Reuters. 

... o cristianismo é um romance do Eurico Cebolo!

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Crónica de uma família sem metáforas

O despertador tocou e Jorge assustou-se bastante quando sentiu o toque no ombro. Acordou Patrícia, disse-lhe que estava na hora, iam para um casamento de um familiar. Patrícia foi para a oficina, apertou uma mão que estava meio solta, colou uma orelha partida e lubrificou as articulações e por fim gritou ‘Já estou arranjada!’ Foram para a garagem. Jorge estendeu a chave ao automóvel mas este deixou-a cair no chão. Jorge voltou a pegar na chave e estendeu-a de novo mas o automóvel voltou a deixar a chave cair no chão. Depois estendeu-lhe a pasta, o casaco, mas nada a fazer, o carro não pegava. Foram para a rua. Jorge estendeu a rede de pesca na faixa do bus e quando um táxi passou ele puxou a rede e apanharam-no. Um pouco adiante, meteu-se um jovem vestido de preto com a cabeça assim de lado e o pé à frente do outro, mesmo em frente ao taxi. ‘Que grande bicha!’ - exclamou o taxista. Depois virou-se para trás e disse-lhes para não se preocuparem pois conhecia muitos atalhos. Encostou o taxi à berma, abriu a janela e disse olá a um atalho. O atalho retribuiu. Uns metros mais à frente cumprimentou outro atalho e depois outro. Conhecia muitos, de facto. Jorge impacientava-se. Foram por uma rua onde as pessoas estavam aborrecidas, sentadas em bancos de jardim com a cabeça apoiada nas mãos, a bocejar. ‘Por aqui está tudo parado, vamos por outro lado’ observou o taxista. Nos Restauradores, onde havia muitas obras de arte antiga e técnicos especializados a trabalhar nelas, meteu-se outro jovem vestido de preto com a cabeça assim de lado à frente do táxi. ‘Apanhámos outra bicha. Isto hoje está imposível, bichas por todo lado, é melhor irem a pé’, disse-lhes o taxista. Pagaram e foram o resto do caminho a pé. Chegaram finalmente à Igreja. Jorge exclamou ‘conheço aquela cara…’ e Patrícia disse ‘eu também, e aquela também’. Eram familiares. Ao entrar na Igreja, Jorge começou a ficar com os olhos um pouco estrábicos, uma mão toda empenada para o lado e uma careta esquisita na cara. Patrícia por sua vez abanava-se e babava-se, arrastando os pés. Consultou o relógio: ‘oh não, estamos atrasados'.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

isto explica muita coisa

é mais forte do que eu

«Joe Biden visita áreas devastadas por Sandy» 

  - E aqui Joe, foi onde ela partiu a loiça toda. Cuidado com os cacos.
 - Jesus Cristo, a Sandy estava mesmo possessa. O que é que ele fez?
 - Não sabemos Joe, mas deve ter sido algo que a arreliou muito. Pode ver pelos cacos que os pratos foram arremessados em direcção a esta parede, provavelmente contra um alvo em movimento, supomos que seria ele. Venha, passemos à sala.
- Está completamente devastada.
 - E cortou-lhe o cadeirão de couro com um facalhão de cozinha. Aquele monte de plástico derretido é o que resta da sua colecção de discos de vinil, não se aproveita nem um, Joe, nem um.
- Este aqui era do Simon & Garfunkel. Tenho este. É um belo disco. Ele tinha bom gosto. Porque raio achas que a Sandy se passou assim?
- Não sabemos Joe, não sabemos. Com a Katrina foi simplesmente a tempestade perfeita. TPM e dia de aniversário de casamento, um homem esquece-se, enfim, sabes como é, Joe. E depois com as alterações climáticas, as discussões tendem a ficar mais acaloradas.
- É verdade, raios. Tanta devastação.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

meanwhile, in spain

Junho de 2012, mineiros espanhóis a expressar o descontentamento de forma organizada. Como podem ver, nem se aproximaram da polícia e não há contacto físico.


Depois foram fazer um pique nique em Madrid e juntaram-se à manifestação. Vieram de autocarro, havia barraquinhas de cerveja e tocaram-se canções de intervenção. Toda gente marchou e foi um dia muito bonito de protesto. Foram elogiados pelas autoridades pelo civismo e dignidade e houve muitos abraços entre meninas bonitas e polícias.

oiço vozes

Isto de namorar com uma Plaft que faz vozes em bonecos animados e séries infantis que passam em canais como o Disney Chanel e Panda, tem as suas particularidades. Uma delas é ser perfeitamente rotineiro reconhecer a voz da nossa namorada quando aparece uma coelha cor de rosa ou uma bruxa malvada na tv. E observar que a voz da coelha é a que ela faz quando está em modo tontinha a fazer as suas palhaçadas habituais e a da bruxa é a voz que ouvimos quando uma das nossas peúgas não acertou no cesto da roupa suja e ficou ali ao lado e nós achámos que não era assim tão grave. Também temos os anúncios de rádio a carros alemães e cremes de beleza. Às vezes, quando estamos nos preliminares, peço-lhe que me sussurre ao ouvido "ar condicionado de série" e "jantes em liga leve" como no anúncio que ouvi naquela manhã. Ninguém o diz com ela. Gostava que quando me chamasse a atenção para a peúga no chão, fizesse esta voz em vez da bruxa malvada. Aliás, por mim podia falar sempre assim, naquele sussurro grave e lânguido cheio de suspiros sensuais: oh, o Jorge Jesus não mete o Nolito a jogar? Ohhh... hmmm... fala-me mais disso, é fascinante, vou por de lado o meu iPhone... ohhh... para te ouvir falar sobre isso hmm...

brandos costumes

A razão pela qual os polícias do corpo de intervenção agridem pessoas que claramente não são violentas ou desordeiras, mesmo em 2012 em que tudo é filmado, o treino é especializado e os danos de imagem para um governo são fortes, prende-se com o efeito dissuasor e condicionador que tal acção provoca. A ameaça e a intimidação têm de ser credíveis. Com essa intimidação, um pequeno efectivo de polícias consegue manter a ordem na próxima manifestação de milhares de pessoas e restringir o número de desordeiros a um punhado de extremistas. Ficamos condicionados com a seguinte mensagem na cabeça: «posso indignar-me e protestar, mas tenho de me manter na ordem porque se passar essa ordem eles são implacáveis e injustos comigo». Barreiras virtuais, como o espaço que medeia entre nós e um cordão policial, parecem intransponíveis. A intimidação não se esgota na carga. A forma como são tratados os prisioneiros, com penas e medidas desproporcionais, leva-nos a pensar «afinal de contas estavam a protestar como eu, a diferença é que eles atiraram um calhau ou foram apanhados no sítio errado à hora errada»

A nossa tendência, perfeitamente natural e compreensível em pessoas de bem que nunca contactam com violência, é fugir dali para fora a correr, à primeira ameaça de carga. A diabolização dos polícias, que acontece sempre depois de uma coisa destas (e por vezes atinge um  histerismo piegas inenarrável) tem o efeito de os mistificar ainda mais. Contudo, eles são profissionais e obedecem a ordens de pessoas que obedecem a ordens de um ministro. Têm mulheres e filhos e se calhar fantasiam com cargas sobre a bancada do PSD e do PS em pleno plenário. Se forem postos em fotos em que uma tonta os abraça com uma florzinha, até parecem pessoas.

Vamos colocar um cenário teórico. Vamos supor que a situação actual continua a evoluir no sentido para o qual está a evoluir, com mais desemprego, fome e miséria. E à medida que vai evoluindo continuam notícias como a de que 1300 boys do governo continuaram com o subsídio de férias ao contrário da restante função pública e outro tipo de coisas que acicatam os instintos mais primários do taxista que há em nós. Ou vocês nunca tiveram vontade de partir a tromba a um político? A sério? Nem aquele do PS que ganhava 8000 euros por mês e disse que precisava da ajudinha dos pais para sobreviver? Oh, por favor. Esses sentimentos são normais, não se sintam culpados.

Vamos pensar no cenário em que em vez de 20 ou 30 pessoas em frente à AR a atirar calhaus, temos 20 mil pessoas nas ruas, extremamente zangadas e mais 200 ou 300 mil manifestantes do tipo pacífico à mistura. E que se dirigem para AR e que os deputados assomam às janelas da AR assim a espreitar entre cortinas, um bocado nervosos (excepto os do PCP que devem ter fantasiado com isso algumas vezes).

Aqui podemos contar com balas de borracha, gás lacrimogéneo, canhões de água. Mas vamos supor que o número de manifestantes ainda engrossava mais e mais, dia após dia. O que temos no nível seguinte? O exército.

Que tem tanques, aviões, metralhadoras com balas a sério, esse tipo de coisas violentas. Nesses contextos, atiram a matar sobre manifestantes. Na Síria, no Egipto ou no Portugal de 74 em vésperas do 25 de Abril, é o exército que determina o curso dos acontecimentos em último caso. Ou está do lado do povo, ou contra o povo. Se tudo corre bem, está do lado do povo e permite eleições livres. Se correr mal, ou substitui o anterior ditador por outro, ou esmaga a revolução ou entra-se numa guerra civil em que o manifestante, que talvez uns meses antes se limitasse a gritar na rua, se vê agora com uma arma na mão, num pequeno pelotão de guerrilheiros, obrigado a ser "violento" ou a vergar-se. Espanha passou por isso recentemente, os níveis de violência da sua guerra civil foram bárbaros e mesmo depois da guerra seguiu-se um período conturbado e violento. E isso explica, em parte, o facto das suas manifestações serem mais descomplexadas neste aspecto.

Mesmo num estado regido por leis, instituições democráticas, normal, digno e protocolar (excepto nos momentos em que se pendura a bandeira a contrário) existe sempre a consciência da importância do exército e da sua força num cenário limite, um pouco como as armas nucleares. Parte daquilo que torna uma sociedade possível e isto não ser uma anarquia total, é  o estado  convencer-nos que tem a arma nuclear (paradas militares, carga policial, exibição de símbolos de força institucionais, hino, o Presidente da República dirigente máximo do exército etc.) e convencer as pessoas, o povo, que ele não tem arma nuclear nem desejo de utilizar uma mesmo que tivesse ("o povo mais digno do mundo", "o melhor povo do mundo", "sentido de dignidade", "povo é sereno", "pobreza digna", "extraordinário civismo", "coragem dos que foram trabalhar").

Da minha parte, não me insurjo contra esta ordem de coisas porque tenho mais que fazer do que pensar em sistemas políticos, revoluções e assim e sou tudo menos anarquista. Gosto de ler e escrever, gosto de caracóis e cerveja. Mas há sempre um meio termo desejável, um equilíbrio, uma reacção necessária numa dada situação. É positivo que um Estado, que os vários intervenientes políticos, possíveis candidatos, a Troika, o FMI, a UE ou os boys que precisam da ajuda dos pais para sobreviver, percebam que as pessoas podem usar a sua bomba nuclear e que há um limite. É a única forma das coisas se ajustarem antes do limite ser ultrapassado.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

boa violência

Espero que a violência de ontem seja pedagógica. Os portugueses têm queda para tontinhas que abraçam polícias e slogans parvos. A importância daquelas imagens é incontornável. Pessoas como nós, a levar com um cacetete nas trombas e coisas a arder nas ruas, caos, isso vale por 50 manifestações pacíficas de 500 mil pessoas e por todas as greves gerais de que a CGTP se lembre de convocar. Obrigado aos que atiçaram a polícia, obrigado aos que sofreram as bastonadas e obrigado à polícia pela brutalidade. Aquilo é o que funciona lá fora, para mostrar que em Portugal e Espanha as coisas podem ficar gregas nos 10 segundos de noticiário a que teremos  direito. E funciona cá dentro. São essas imagens que incomodam os que adoram a ordem, elogiam a pobreza digna, os que dizem que somos o melhor povo do mundo de forma paternalista enquanto nos ignoram o protesto civilizado. Cavaco Silva também não gosta disto, lembra-lhe uma carga policial numa certa ponte com um nome que ele não gosta de pronunciar e que lhe acabou com o governo.

update: os telejornais agora exploram a "destruição". De repente, é o drama do café da rua que teve de fechar mais cedo, a calçada arrancada, os sinais de trânsito que desapareceram e o povinho que diz "e agora nós é que pagamos estes estragos, isto está muito mal", aquele povinho velho e rasteiro que para isto se indigna, para uns trocos de reparações de vandalismo, enquanto que só no BPN foram oito mil milhões que para eles são tão abstractos como a Nossa Senhora de Fátima. Até o calceteiro, que por acaso hoje teve trabalho de sobra, sentencia para as câmaras da RTP: "é gente que nem merecia respirar".

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A vida é bela

─ Deixem ver se estão todas... sim, vieram todas. Obrigado por terem aceite o meu convite. Por favor sirvam-se. Há foie gras e caviar a dar com um pau. Reservei o restaurante, está por nossa conta. Há vinho, champanhe, martini, tudo o que quiserem... Carlos, sirva vinho às senhoras, por favor. O jantar vai ser servido dentro de momentos, há dois pratos, podem escolher. Quero que se sintam bem. Devem ter estranhado o meu convite? Sim? Pois, eu calculei, nem sequer faço anos hoje. Desculpem não ter explicado nada e não ter atendido o telefone. E sei que muitas de vós ainda estranham mais porque eu não dava sinal de vida há muito tempo, mas há coisas que... demoram a desenrolar-se... digamos assim. Outras de vós, bem, parece que foi ontem. Importam-se que eu fume? Obrigado. Podem fumar também se quiserem. Vocês pelo menos conhecem-se, Helena, Carla e Paula, fomos todos colegas, um brinde aos bons velhos tempos no departamento de comunicação! O Valter ainda é o mesmo imbecil?Ah, reformou-se. Bem, continuam muito bonitas. Rita e Sara, são irmãs, é óbvio que se conhecem, Teresa, Inês, mãe e filha, puderam vir as duas e… desculpa, não me lembro do teu nome… Luísa? Isso, desculpa, mas eu não te tratava por Luísa, era outro nome qualquer. Não? Era Luísa mesmo? Ah, devo estar a fazer confusão. Que besta que sou. Já vos cumprimento a todas com beijinhos. Beijinhos posso dar.  Vocês têm qualquer coisa em comum, sabem o que é... Tenham calma por favor. Teresa, Inês, por favor, eu depois explico. Rita, desculpa, pensei que a Sara te tinha contado. Esperem um pouco, vocês vão perceber que se calhar não vale a pena... por favor oiçam-me, esperem, estou a dizer que se calhar não vale a pena andarmos agora com discussões, esperem... Quero apresentar-vos o Flávio. Flávio podes entrar. O Flávio é enfermeiro. Deixa as coisas aí Flávio, podes por aí em cima do aparador. Sim aí. Vai-te instalando. Não se assustem com o aparato clínico. O Flávio vai tirar-vos um bocadinho de nada de sangue, uma pica no dedo, não dói nada e daqui a pouco sabemos os resultados e se calhar é melhor assim, vermos primeiro os resultados e falamos depois, por agora comam e bebam, divirtam-se. Deixem só que me sente aqui um bocadinho. Estou cansado, muito cansado, mas os médicos dizem que é normal e isto é por fases, noutros dias sinto-me espectacular. Sim, é verdade que emagreci. Olhem, estou muito magro e sem fazer dietas, há lados positivos em tudo não é? É preciso ver a vida assim, pelo lado positivo! Às vezes a vida troca-nos as voltas. Teresa, noto que tu estás bem mais magrinha do que da última vez que… será que… não, não deve ser nada ainda, não te preocupes. A sério, não te preocupes. Um brinde! Que caras de caso, minhas queridas, meus amores. Não fiquem assim, é só uma pica no dedo e em trinta minutos têm os resultados. Desculpem. Bebam, aproveitem o jantar. Trouxe lembranças para todas, pacotes SPA da Vida é Bela. Ouvi uns boatos que aquilo não estava assim muito bem e que os hotéis recusavam. Se tiverem problemas eles devolvem o dinheiro, em princípio.

Eyjafjallajökull

"Vais comer mais uma fatia, querida? Não comas tudo agor..."


o horror, meu deus, o horror

Mostrei à Plaft o caminho dos filmes de terror e agora criei um monstro. Ela nunca via filmes de terror, achava-os "assustadores" e agora está viciada e a ver o SAW III e IV deu-se várias vezes a situação de eu estar encolhido a tapar os olhos com as mãos e a perguntar-lhe "já posso olhar?" e ela responder laconicamente "não". E pelo meio dá gritos. Eu não gosto de gore explícito quando é demasiado demorado (a especialidade do SAW a partir do primeiro) mas gosto da tensão e do medo, diverte-me. Ela fica mesmo stressada em cenas como aquelas clássicas do tipo com a pistola a andar num corredor escuro em direcção a uma porta entreaberta depois de ouvir um barulho enquanto vai gritando "Is somebody there? John? Is That you? It's not funny... show yourself... I'm coming..." até de repente acontecer o susto com um grande BLAM da secção de cordas da banda sonora. Ontem a Plaft deu um grito extraordinário num daqueles planos do jigsaw com o seu capuz e cabeça de javali satânico a agarrar uma vítima neste tipo de contexto cinematográfico. Também ajudou que eu tenha combinado a cena com o apagar súbito da luz do candeeiro da sala mergulhando-nos na escuridão total e agarrado a perna dela com força ao mesmo tempo. Coitadinha :') Depois riu-se muito. Às vezes as pessoas ficam tão nervosas que não levam as coisas a mal, ficam só em choque, a rir muito.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

então queres ser artista é?

As fases em que somos mais criativos vêm de sentimentos de reacção a algo forte (doença, injustiça, trauma, solidão, uma paixão, um desgosto, a competição com os pares, uma peça de teatro horrível, um livro espectacular) Muitas vezes temos ideias e elas entusiasmam-nos durante um período de tempo. O problema surge quando a execução dessas ideias se expande para lá do impulso.  Temos uma ideia e no dia seguinte, ou na semana seguinte, podemos olhar para ela com estranheza, um bocado como quando temos um sonho e acordamos todos emocionados e depois, ou nos esquecemos do sonho ou então ele já não faz sentido e parece banal, medíocre. E até nos sentimos um bocado embaraçados por ter tido uma ideia tão estúpida ou culpados por ter desistido. A solução implica forçar-nos a trabalhar na ideia, mesmo sem estarmos inspirados ou entusiasmados. É algo muito semelhante a... trabalho. Horror! Muitas vezes pensamos nessas coisas criativas como um escape da mediocridade da vida prática que nos põe euros no bolso no fim do mês e achamos impossível que sejam encaradas como uma obrigação. Mas mesmo que sejamos pessoas muito disciplinadinhas e obstinadas, temos de lutar para não entrar em piloto automático, num modo sonolento e contrariado. Se no trabalho prático nos podemos safar com isto, porque temos tarefas que, no máximo, exigem algo de racional, quando não apenas gestos mecânicos, na criatividade o resultado desta modorra é algo desfocado e sem intensidade. Se o artista tiver espírito crítico vai olhar para o que fez e entra numa espiral que o leva rapidamente a trocar as ideias românticas de criação  por um plácido serão a ver tv. Ao menos assim não está a constantemente a atirar à própria cara de que não passa de um falhado, que devia era deixar-se daquelas coisas e lutar antes por um aumento lá no trabalho. E para agravar tudo, quanto mais espírito crítico um potencial criador tem, mais violento é o seu juízo sobre si próprio e o resultado são prateleiras, museus e salas de cinema e teatro cheias de mediocridade e uma Internet, bares e cafés cheios de talentosos ressentidos que se queixam do mundo das artes, dos seus embustes e de quem os coloca num pedestal. Sim, tudo é feio, sem sentido e o desespero e a amargura apoderam-se do nosso criador. Bem, as coisas são o que são e não dependem do juízo que se faça delas podia dizer-lhe. Nem o mundo é perfeito, nem é completamente injusto e o ressentimento é uma combustão lenta que liberta monóxido de carbono no sangue e sufoca as ideias, sobretudo a ironia, a suprema ironia, tão ausente dessa arte opaca, melosa e tétrica que só comove as costureirinhas intelectuais e os críticos que se masturbam com os malabarismos lexicais e inovações linguísticas e os filmes livres de argumento com actores com cara de peixe morto a contemplar o vazio e as fotografias desfocadas de partes do corpo e a peça de teatro que desafia o público a libertar-se do convencionalismo burguês de procurar sentido e diversão naquilo tudo. Não, a culpa e o mérito são sempre do criador porque tem o tempo do seu lado e em liberdade ninguém o proíbe de tentar de novo. O principal inimigo do talentoso é única e exclusivamente a preguiça. Há tanta coisa melhor para fazer. Mais divertida. E no fim morremos todos, qual é o objectivo? De qualquer forma nunca virá um sentimento de realização, de "já está, posso morrer em paz" ou "sou bestial". Se ele faz algo de bom, ou que os outros dizem que é bom, o mais normal é ficar ficar torturado pela perspectiva de nunca mais fazer nada de jeito para o resto da vida. Que rica recompensa. Então, boa sorte! :)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

acabou e começou

E pronto, três anos depois, o Autor terminou o romance. Agora começou a epopeia de arranjar uma editora que queira ser muito rica e muito respeitada por ter tido coragem de apostar em nele, the next big thing. Entretanto começou outro romance. E determinou que vai entregar as chaves do BMW até ao fim do ano. Diz que quer ser artista, como a Plaft. Ou seja, é bem provável que a qualidade do vinho que me fornecem decresça vertiginosamente em virtude destas opções. Gostava de comentar isto mas "Lol" é a única coisa que me ocorre assim de repente.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

intelectual subway games



Hoje no metro sentei-me num daqueles três bancos que estão virados de lado, concretamente, na ponta mais à direita. Ao meu lado sentou-se uma de óculos de massa e ar alternativo que abriu um livro e começou a ler imediatamente. Nunca se sabe se são mesmo espertas lá por saberem ler. Por exemplo, a Plaft sabia ler, mas foi só depois de me ganhar ao buzz, ao poker, ao rummy cub, ao scrabble, ao eclipse, ao pictionary e a todos os jogos, que percebi que ela era capaz de ser assim para o espertalhuço apesar de uma pessoa olhar para ela na rua e achar que é apenas uma tonta que tem mas é a mania. Voltando ao metro. Olhei de lado e não consegui perceber que livro era, não tinha bonecos mas as letras eram suspeitas: muito grandes. Já vi raparigas assim com pinta até ter o primeiro vislumbre da capa daquilo do 50 Sombras ou do José Luís Peixoto, o que provoca exactamente a mesma sensação de ver uma mulher por trás que parece assim jeitosa e vocês vão com o vosso copinho de champanhe ter com ela e depois ela volta-se e é toda estrábica, tem prognatismo e os dentes de baixo sobrepõem-se ao lábio de cima estilo cão boxer e vocês fazem meia volta buscar um gin tónico. Bem, mas estou ali a ler o meu Thomas Mann e ela a ler a cena dela, sossegadinhos, e passado um bocado levanta-se uma senhora que estava na primeira cadeira e um gajo daqueles de cachecol e sapatinho italiano apanaleirado e abre um livro e senta-se ali ao lado da minha vizinha. E assim ficámos os três a ler, sentadinhos ao lado uns dos outros, numa carruagem de analfabetos funcionais, estilo freiras num sítio público, a espalhar a a fé no Plano Nacional de Leitura e a fazer as pessoas sentirem-se mal e culpadas por serem ignorantes e desperdiçarem a vida. Aquilo enervou-me, a lata dele puxar do livro dele e juntar-se à nossa sessão de leitura. Espreitei e vi-lhe o tamanho do livro, discretamente. Não devia ter mais de 200 páginas, uma treta qualquer, muito provavelmente poesia, a julgar pelos sapatos. Ri-me. O meu Mann tem 700 páginas de prosa, incluindo passagens de dezenas de páginas a descrever coisas só por descrever embora isso não dê para ver assim de fora. Fechei-o para lhe poderem ver o volume,  pois assim de perfil parece ainda maior. Chegámos ao Rossio e ela de repente estremeceu, vinha completamente absorta na leitura e demorou alguns segundos a perceber onde estava, olhou em volta e de um salto precipitou-se para a porta empurrando as pessoas que já entravam na carruagem. Percebi que não estava atenta à situação que se vinha a desenrolar, vinha mesmo a ler. Por outro lado, o leitor de poesia estava a olhar de lado para o meu Mann de olhos muito arrregaladinhos. Saí na estação seguinte e fiz o caminho a pé, em passo rápido.

can't touch this ;)


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sporting

Escrever sobre o Sporting lembra-me fazer uma piada sobre a alopécia de alguém num jantar de aniversário e essa pessoa responder que está em quimioterapia. Mesmo assim vale a pena se a piada for boa. Vi o jogo do Vitória contra o Sporting e fiquei confuso e um bocado deprimido. Tenho amigos do Sporting e quando as coisas atingem este nível perde a piada porque começam a ficar insensíveis e desligados. E não consigo escrever mais nada. Não sei o que se passa.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Dear America, I order you to vote Obama



Dear americans, It is I, Tolan.
I write to order you to vote for Obama on these elections. Why should I vote for Obama, you ask, he is black, you say, it’s called White House, you observe, Romney is white so with him no more kizomba in the Oval Room. And Romney is already rich so he won’t be stealling the silvers of the house. I understand those valid arguments. But you must look at it from another prism. America needs a strong president, not some litle glass of milk for president. 40% of prisoners in the US are black and one in three blacks serves time in jail at some point of his life. This happens in big part because tribunals fail to condemn the other two blacks. Justice is slow and the processes prescribe or sometimes the listenings are considered invalid like in the Golden Whistle case. But it’s not only because of that. Some black people have merit in escaping from jail. They manage to escape, they run so much and try so hard to avoid being arrested that when they give for her, they are either old folk quietly retired in Sintra or president of the US. 

Remember kid, keep running!

On the other side we have Romney. His biggest qualities are being white and rich. But you are not chosing your daughters husband. These qualities are not that important for being president because if you are president of the US, they give you money, nice meals, clothing, a plane, and you usually get into all the nightclubs and fancy restaurants you need to go to meet other white leaders of the world. Obama only has to show his ID or Pass and say “I is president of America” and he can get in, security will let him. 

Romney is against abortion and pot makers marriage… this doesn’t make sense! If pot makers start to marry, then abortion should be legal to avoid them from adopting unwanted children from hetero couples and abusing them to give them aids and turning them into more evil liberal pot makers. Obama on the other side is in favor of both things so at least pot makers wont be able to adopt that many children because they will be aborted and go to heaven and be happy litle embrionic angels forever. And pot makers will have to get small dogs and cats instead.
Vote Obama. Do not stay at home even if it is Sunday and it is sunny and you want to go to the beach or to the comercial center.

Tolan