quarta-feira, 24 de outubro de 2012

rotina



Gosto muito de rotinas e depois introduzir pequenas variações nas rotinas. Troco sempre as voltas à senhora do café porque raramente peço a mesma coisa dois dias de seguida. Ela já desistiu de me tentar adivinhar o pedido. Tanto pode ser um compal de pera e um palmier simples como uma sandes de fiambre e um B como uma torrada e um chá de limão. Comigo é assim, uma loucura, a vida no limite. Mas gosto mesmo de rotinas como ir sempre ao mesmo café. Ou acordar à mesma hora e fazer o mesmo percurso para o trabalho e ir optimizando todos os detalhes do percurso, como escolher sempre a mesma carruagem do metro e adoptar  mesma postura para ler - encostado à porta oposta, de pé, como se fosse abrir a Bíblia e dar um sermão a toda a carruagem ensonada. Faço estas coisas porque a rotina permite que certas tarefas (andar a pé pela rua, escolher um café ou uma carruagem de metro) passem para o domínio da competência inconsciente - um conceito que aprendi num livro de poker - e assim libertar a competência consciente para tarefas mais importantes como observar, pensar e ler. É por isso que sou muito inteligente e profundo. Agora já sabem o segredo do meu sucesso, boa sorte. Por outro lado, varrer para debaixo do tapete da inconsciência tantas tarefas coloca-me por vezes em situações peculiares. Hoje vinha pelo passeio com as minhas botinhas e o meu chapéu de chuva, com o Mann debaixo do braço, a pensar na péssima ideia que é dedicar um capítulo específico de um romance a uma pessoa rompendo brutalmente o universo de ficção relembrando o leitor que aquilo é um texto escrito por uma pessoa que dedica capítulos a pessoas próximas dando-nos a sensação de nos estarmos a intrometer numa conversa particular em que não somos desejados, enfim, o costume, quando reparo numa poça de água gigante na berma da estrada e vejo um eléctrico a vir a toda a velocidade e vou e dou um inútil salto para o lado todo encolhido. O eléctrico anda sobre carris e não fez qualquer salpico. Apercebi-me disso naquele momento. Não tem pneus como os autocarros ou os taxis. Depois fui a pensar se, por acaso, a poça fosse bem profunda e ocupasse toda a estrada, incluindo os carris, e um eléctrico lá passasse, isso podia criar uma onda capaz de electrocutar as pessoas nos passeios: uma onda de choque. E ri-me um bocadinho. Também me sei divertir.

8 comentários:

MDRoque disse...

Nada como ler o Tolan antes de desligar o PC e pegar no livreco ! Prefiro a onda de choque à Onda Choque. Um bom dia para as tuas rotinas! ;)

Izzy disse...

Botinhas?!....Achas que o Hemingway, o Bukowski ou qualquer dos outros escritores alcoolicos que idolatras saltavam pro lado como meninas por causa de uma poca de agua? Tolan, a crise roubou-te os testiculos? Man up!

Anónimo disse...

A «péssima ideia que é dedicar um capítulo específico de um romance a uma pessoa rompendo brutalmente o universo de ficção relembrando o leitor que aquilo é um texto escrito por uma pessoa que dedica capítulos a pessoas próximas dando-nos a sensação de nos estarmos a intrometer numa conversa particular em que não somos desejados» é um bom ponto de vista mas corre o risco de incentivar o conjunto de imbecis que julga que descrever pessoas a inter-agir num ambiente ficcional pode ter o condão de fazer a nossa triste vida um pouco menos solitária.

Apercebi-me agora mesmo de que se calhar é isto mesmo. Para que servem os livros se não para consolar de forma credível e convincente os solitários de todo o mundo, uni-vos? Talvez tenhas razão. Contemos a história o melhor que formos capazes, mesmo que isso passe por dedicar um capítulo a uma pessoa, desde que seja feito com tal mestria que o leitor não se sinta indesejado na nossa companhia.

Vês como estás a perder tempo? Um grande escritor é paciente, bom ouvinte e nunca expulsa o leitor das suas páginas, assim queira o leitor ter um sorriso corajoso e o coração arrependido.

Ex-Vincent Poursan disse...

O Alf já avançou com a crítica literária de modos que tenho de ficar com a dos costumes. Claro que se ele não se tivesse antecipado… eu também não lhe tocava!!!
Eu é mais pilhérias… e vamos a elas;

É do domínio público e galáctico que a parte da tua cabeça não ocupada por cenas sérias, em razão do exercício profissional e remunerado que te permite, além de liberalidades inofensivas e cumprimento de obrigações, contribuir generosamente para as experiências catastróficas dum aprendiz de feiticeiro, se dedica quase exclusivamente à plaft, apenas à plaft e nada mais que à plaft.

Tal evidência não obstaria, porém todavia contudo, que hoje de manhã, um observador menos avisado concluísse, e muito naturalmente, que um gajo que calça botinhas, salta com medo duns borrifos e leva o mann debaixo do braço… leva também um man na cabeça.

Eu próprio, tendo em conta que baralhar a senhora do café com imprevistos pedidos que alternam entre “um compal de pera e um palmier simples como uma sandes de fiambre e um B como uma torrada e um chá de limão” é a tua quintessência da “loucura e vida no limite”, e que te dedicas aos abichanados exercícios de “observar, pensar e ler”, em detrimento dos copos de três e discussões etílicas sonoras e palavrosas sobre penalties em cafés com bom stock de minis, não fora a consideração que tenho pela tua rotineira pessoa… concluiria a mesma coisa!!!


P.S. aproveito a ocasião para informar o Alf de que não consigo inserir comentários no blog dele. Devido a congénita incapacidade pra tecnologias de ponta (atenção que é mesmo tecnologias “de” ponta e não tecnologias “e” ponta) ou a complot das meretrizes das letras… não dá.
Ainda tentei a opção som, mas aquilo é tipo rouquejar de fantasma com laringotomia que já me rendeu umas noites de pesadelos.

Anónimo disse...

Pedindo licença ao Tolan pela conversa privada que aqui, e neste preciso momento, vai ser mantida,dirijo-me ao Ex-Vincent Poursan noticiando que já tomei providências sobre os mecanismos de segurança do meu blogue, enviando uma respeitável ordem de desbloqueio ao chefe da manutenção com um anexo onde consta o teu pedido. Tolan, desculpa, podes continuar, está tudo bem.

Desbocado disse...

AHAHAHAHAH Se algum dia te encontrar no metro vou perguntar: O que acontecia se um electrico passasse por cima de uma poça.

DESBOCADO!

Isa disse...

Tolinhas, eu amo você!

Anónimo disse...

Isa, és fofinha. Izzy, cala a boca, não se aproveita um chavelho.

ass: empregada do pingo-doce