Fui ver o Vânia na trindade. Fantástico João Lagarto na personagem do
tio Vânia. Uma encenação algo desastrosa, um elenco que conta com dois
modelos a fazer de actores que fazem de personagens e ter feito chichi ao lado do Carlos
Carvalhas no wc que tinha daquelas luzes automáticas que se apagam ao
fim de algum tempo e ficarmos os dois às escuras com o coiso na mão,
estragou-me um bocado o espectáculo.
Ignorante como sou, nunca me passou pela cabeça que Tchekhov
fizesse comédias. Sempre interpretei aquelas coisas que escrevia no
subtítulo das peças, tipo o "comédia em quatro actos" como irónicas mas
pelos vistos não são. Acho a Gaivota comovente e triste do princípio ao
fim e depois dizem-me que é uma comédia. Mesmo no campo da sátira,
podemos comparar com Eça, que também
satirizava muitos dos mesmo temas de Tchekhov: o provincianismo, o isolamento, as vãs vitórias, o prestígio e a vaidade social, o
sentido da vida, os estereótipos etc. Mas Eça é leve, não tem a gravidade russa. O meu Tchekhov é o dos contos lidos com a minha voz interior e a sua
comédia, para mim, resume-se um riso ternurento e melancólico (assim
como a sua tragédia que nunca chega às profundezas de cortar à faca de um Dostoiévski). No fundo, acho-o próximo da vida e não consigo ver as suas personagens como caricaturas. Nunca podia prever as gargalhadas gerais como as que encheram a
Trindade a espaços e que me desfocavam do drama - como se
para isso não bastasse o Pedro Lima e a Teresa Tavares darem a sensação
de se assistir a uma espécie de distopia em que Tchekhov viaja no tempo
até aos nossos dias e é obrigado a trabalhar como argumentista de
novelas para sobreviver.
As pessoas podem passar do riso ao choro e vice-versa, mas a
inércia do riso é maior do que a inércia do choro. É possível acordar de
um momento dramático para um riso suave, como quando fazemos rir alguém
que está a chorar, com uma palermice qualquer. No teatro, basta uma
mímica corporal, como o João Lagarto a fazer de bêbedo. Mas demora mais a
entristecer ou abalar alguém que esteja num estado de espírito leve, de riso. Daí a expressão "alívio cómico" (comic relief) pois o alívio cómico serve apenas de respiração e contraste num sentimento dominante de tragédia, sentimento que no meu entender seria dominante no Vânia.
Leio que encenadores, no início,
interpretaram as suas peças como tragédias ou
dramas, eliminando a componente de comédia para irritação de Tchekhov. E que depois se fizeram novas interpretações com a introdução da comédia. Talvez a actualidade e o
potencial infinito das peças de Tchekhov advenha dessa
ambiguidade plástica. As peças que Tchekhov escreveu não têm praticamente
direcções nenhumas, estão lá as falas, pelo que o mesmo texto pode ter
um sentido e um peso completamente diferente consoante a interpretação,
encenação e a sua representação. No caso da leitura, o texto tem a
entoação que a nossa voz interior lhe der. No teatro,
estamos à mercê da encenação e dos actores e para mim isso é um bocado esquisito ainda, uma vez que implica uma atitude passiva perante intermediários entre mim e o meu Tchekhov. É bom que os intermediários sejam muito competentes.
5 comentários:
o João lagarto é competente :)
Quanto ao resto não sei ...
Para o Tchekhov a cornúcópia é bastante boa se os actores não correspondem a 100% a encenação normalmente é excelente.
Compreendo a tua paixão pelo Tchekhov:)
sim, o Eça é o T. em alma lusa :)
uma pergunta :)
os teus sorrisos estavam sincronizados com o público ???
Em certas ocasiões sim, mas noutras tive a sensação de que aquilo não era para rir e que eventualmente os actores até estariam um bocado frustrados. Também é verdade que os maus desempenhos (e/ou casting, direcção de actores) me induziram um sentimento de embaraço.
De acordo com o léxico de Álvaro Santos Pereira, tu e o Carlos Carvalhas, ficaram os dois às escuras com o desemprego na mão...
Também fui ver esta peça. Também não me pareceu uma comédia, embora tenha ouvido gargalhadas. Houve situações que, efectivamente, provocavam o riso, mas dá-me a sensação que foi a encenadora e não o autor quem criou aquelas cenas. Não posso afirmar, pois nunca li a peça. Pedro Lima, Teresa Tavares e São José Correia talvez nunca devessem ter saído das passarelas. Elisa Lisboa teve poucas oportunidades de fazer brilhar o seu talento. João Lagarto vale bem a pena ver o espectáculo.
Ele não escrevia comédias. Apenas não queria que fossem interpretadas como tragédias. Descrevia a vida normal. E a vida não é comica, nem trágica. É um sítio onde se ri, e se chora e tudo isso pode acontecer em 5minutos. Daí ele ser um génio.
O espectáculo é provavelmente dos piores que já vi. Para mim, nem o Lagarto se safou (Se bem que com o decorrer dos espectáculos pode ter desenvolvido, acredito nisso. No dia em que eu fui, caía demasiado no comico banal e desinteressante). A pessoa que encenou parece não ter um neurónio são na cabeça (E ainda me dei ao trabalho de ler o textinho do programa, a ver se a podia desculpar de alguma forma, mas foi em vão, apenas me fez gastar mais 2 euros em duas imperiais extra.)
E pronto. Atirem-me pedrinhas, bora.
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