segunda-feira, 20 de junho de 2011

se calhar era só alguém que picava cebola ali por perto

«Depois do almoço, Natacha, a pedido do príncipe Andrei, sentou-se ao clavicórdio e cantou. O príncipe Andrei estava junto à janela a conversar com as senhoras e a ouvi-la. A meio de uma frase teve de se calar e sentiu, inesperadamente, que as lágrimas lhe apertavam a garganta, umas lágrimas de que não se sabia capaz. Olhou para Natacha a cantar e na sua alma aconteceu qualquer coisa nova e feliz. Feliz e ao mesmo tempo triste. Não tinha motivos válidos para chorar, mas estava prestes a chorar. Chorar por quê? Pelo amor antigo? Pela pequena princesa? Pelas suas desilusões?... Pelas suas esperanças de futuro? Sim e não. O que lhe provocava aquela vontade de chorar era uma terrível oposição, que súbita e agudamente consciencializou, entre qualquer coisas infinitamente grande e indefinível, presente nele, e qualquer coisas estreita e carnal, que era ele próprio e, até ela própria. Aquela oposição atormentava-o e alegrava-o enquanto Natacha cantava.» - Guerra e Paz - Tolstói, Editorial Presença, tradução Filipe e Nina Guerra.