Como sou do género de falar sem saber, é um facto que o Plano Nacional de Leitura já inclui uma lista bastante extensa de autores muito diversificados (embora, graças a Deus, sejam leituras facultativas). Claro que poderia questionar porque motivo estão lá três livros do Manuel Alegre, incluindo o essencial livro de crónicas O futebol e a vida - Do Euro 2004 ao Mundial 2006. Ou cinco livros do Mia Couto (há assim tão poucos escritores para preencher o slot africano lusófono?) Ou um livro do portento que é o Gonçalo Cadilhe que está para a literatura de viagens como a Filipa Vacondeus para a gastronomia mundial. Pelo meio, não falta a nova literatura portuguesa incontornável e os seus incontornáveis nomes, lado a lado com os irmãos mais velhos Eças e os Pessoas, todos no cestinho do incontornável que, como se sabe, é infinito e eterno, pois o tempo nunca apaga escritores que nas respectivas épocas são amplamente consagrados e incluídos em listas organizadas por comissões de especialistas governamentais, como sucedeu com os eleitos Pessoa, Eça ou Camões, amplamente reconhecidos pelos Planos Nacionais de Leitura das suas épocas, pelo gosto do público da época e pelos prémios Camões da época. A lista é engrossada com a farinha maizena de uma quantidade surpreendente de autores juvenis portugueses lado a lado com nomes como JK Rowlings que, como se sabe, se não fosse o Plano Nacional de Leitura e a capacidade dos ministérios em identificar autores talentosos e obscuros, seria completamente desconhecida do público português. É bonito o fairplay e deixar que autores estrangeiros possam também ter alguma hipótese aqui.
Mas nem era disso que queria falar, até porque uma lista é sempre subjectiva. Quem sou eu para sugerir para a mesma o primeiro livro de crónicas do António Lobo Antunes ou um de primeiras crónicas do Miguel Esteves Cardoso, por exemplo, por troca com as crónicas do Alegre? Ninguém. O Alegre tem uma dimensão Simbólica / Histórica que dá matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na perspectiva da
denúncia e dela extrair uma moralidade que sirva de lição para o futuro. Aprendi a dizer isto porque li uma Síntese da matéria para um exame de português do 12º ano e fiquei a saber que lendo o Memorial do Convento do Saramago, os meninos têm de caracterizar uma dimensão Simbólica/Histórica
e responder que no Memorial do Convento há uma
intenção de interferência do passado com o presente, com a
particularidade de conseguir utilizar a reinvenção da História como
estratégica discursiva para olhar a actualidade. A história torna-se
matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na perspectiva da
denúncia e dela extrair uma moralidade que sirva de lição para o
futuro.
Tão pequeninos e já têm de se exprimir na novilíngua Orweliana dos políticos. E a propósito de Orwel... não, não falo mais na lista.
Confesso que isto me passou ao lado quando li o Memorial do Convento e se calhar por isso é que apreciei o livro. Mas pelos vistos, Fernando Pessoa é o prato forte do 12º ano. Que o Fernando Pessoa é incontornável, estamos todos de acordo. Digamos que o Peixoto e o Valter da lista do Plano Nacional de Leitura são como que um encosto de Nissan Vanete na traseira de um Opel Corsa comercial a ocupar uma faixa da direita no IC19. Por enquanto não são incontornáveis porque não estão no programa, só na lista do PNL. Em fazendo pisca e metendo a mão de fora da janela, dá para mudar de faixa e seguir em frente. Mas o Pessoa é uma espécie de acidente épico no tabuleiro da ponte poética portuguesa. Não dá para passar por ele a tempo de também espreitar outros poetas. Não, fica-se ali horas preso no carro, a esmiuçar-lhe os heterónimos todos e ainda a Mensagem e saber que a 3ª fase de Álvaro de Campos se caracteriza por ter Traços estilísticos:
Verso livre em geral muito longo
Assonâncias, onomatopeias, aliterações
Grafismos expressivos
Mistura de níveis de língua
Enumerações excessivas, exclamações, interjeições e pontuação emotiva
Desvios sintácticos
Estrangeirismos e neologismos
Subordinação de fonemas
Construções nominais, infinitivas e gerundivas
Metáforas ousadas, oximoros, personificações, hipérboles
Estética não aristélica na fase futurista ...
11 comentários:
mesmo tendo e conta o carácter facultativo da lista do plano nacional de leitura, é engraçado constatar que kafka e ricardo araujo pereira têm direito ao mesmo número de obras. a metamorfose do primeiro e as novas crónicas da boca do inferno do segundo.
isto não quer dizer nada, obviamente. duas personagens que à sua maneira são relevantes na sociedade em que vivemos.
ou então quer dizer tudo. prova a arbitrariedade desta lista cujo único objectivo é atirar livros à fronha das criancinhas.
ou então vivemos no matrix. é uma alternativa que nunca coloco em causa.
não sei.
está tudo em aberto.
O PNL tem coisas assustadoras, ao que sujeitam as criaturas que andam na escola por estes dias.
Há quem defenda que não existe idade mínima para apreciar um bom livro (li a Aparição aos 16 anos e gostei, agora irei lê-la novamente), mas há quem argumente que não se deveriam ler certas obras antes de uma certa idade.
Uma escolha deste género, sendo subjetiva, deveria obedecer a alguns padrões, dentro dos quais dificilmente encaixaria a JK Rowling. Não me choca que as crianças ou jovens leiam o Harry Potter, muito pelo contrário, como também não me choca por aí além que possam tentar utilizar este tipo de livros para levar mais jovens a ler, mas daí até estarem mencionados num plano nacional de leitura, em detrimento de outros...
Mas, dê por onde der, uma coisa posso dizer (e isto com conhecimento de causa profissional): em termos de leitura e juventude, pelo que vejo na livraria, nem tudo parece estar perdido.
E em que lugar fica o "Estilo disse Ela"
Eu gostei e acho que devia fazer parte do plano Nacional de leitura.
Dianinha*
É por isso que na questão de educação neste país não vamos a lado nenhum.
Cabe na cabeça de alguém que pugna por educar esta cambada de futuros deliquentes, que não estaja o livro do "Cocozinho" incluido no PNL?
Depois os miúdos são educados sem princípios nenhuns e dão em potencias malfeitores e assaltantes à mão armada.
As mulas de românicas que gerem o PNL são, em regra, 5o'nas histéricas mal usadas sexualmente que julgam que são gente ( só por usarem palavras enigmáticas como grafema e polissílábica).
Quando toda a gente sabe que o que mantém a sociedade a mexer são os engenheiros e técnicos que não necesitam de fazer alarde das palavras complicadas de que dependem no dia a dia.
Auferem cerca de 2000€ limpos (as mulas) para debitar babuseiras de matriz francófona e iludem-se pretendendo ter uma "carreira", quando na verdade é apenas o salário que as distingue de uma vulgar gerente de loja de meias com o 12º ano.
Obrigado pela atenção.
Naqueles tempos...o PNL só tinha autores aprovados pelo regime (nacionais e estrangeiros) e nada era facultativo... Li Saramago fora da escolaridade lietrária obrigatória. Trocar o Alegre pelo MEC, devia ser um auto de fé do ME.
Portanto, deixa-me ver se entendo: querias um PNL, sim, mas feito por ti e que nas escolas se discutissem os livros sem falar da língua?
Se dependesse de mim, não havia PNL, logo para começar.
Eu nem devia falar do PNL... mas a verdade é que mais de metade os livros contemplados naquela maldita coisa estão esgotados e não se arranjam -.-
É um bom exemplo de coisas feitas por aventesmas que não sabem nada de nada
ehehe!
Ora aqui está uma opinião lúcida do famoso PNL ou Plano Nada Ler...
Sobre Pessoa no 12º ano - só posso concordar. Por muito genial que seja, não devemos condenar os alunos à monocultura pessoana, ainda para mais com textos tão desiguais em interesse - veja-se a "Mensagem"... com isto perde-se tempo que bem serviria para aprofundar ou mesmo conhecer outros autores do séc. XX bem interessantes. Mas "pode sair no exame", não é?
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