quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
os duelos
No conto Uma questão de Honra, Nabokov não hesita em enfiar referências explícitas a duelos literários no texto, uma ao Leermontov e o seu belo cenário de montanha e outro à Montanha Mágica (referindo-se ao Thomas Mann como "um escritor qualquer", o que me leva a crer que o Nabokov não apreciava Thomas Mann). O duelo é um tema literário recorrente, penso que o primeiro que li foi num magistral conto do Maupassant. Escrever uma cena de duelo está para os grandes romancistas do tempo dos duelos como o desenho do nu para os estudantes de artes. O duelo coloca a personagem na antecâmara da morte. Nunca falta o olhar-se ao espelho nas horas que o antecedem e uma espécie de magnificação extrema dos detalhes mais pequenos, ampliados pela consciência de que são os últimos que se vê. E tudo por escolha própria, muitas vezes motivada por orgulho ferido e histórias de gajas, o que coloca o duelo numa categoria à parte da pena de morte ou da batalha suicida em que o protagonista é vítima de circunstâncias maiores. No duelo exige-se algo de muito concreto: o manejo hábil de uma espada ou o apontar de uma pistola com precisão, tudo isso vencendo o medo, um pânico... Os lados do duelo são frequentemente desiguais para conferir realismo e identificação com o leitor. Há sempre um hábil espadachim e um desajeitado que acha a espada demasiado pesada, um atirador exímio e alguém que não sabe o que é uma pistola, um homem confiante e outro cagado de medo. Que pesadelo pior do que o confronto com o nosso duplo em negativo? O Nabokov dá uma volta irónica ao cliché do duelo descrevendo uma história em que o protagonista, encornado pela mulher, foge cobardemente poucos instantes antes do duelo, rebolando de forma muito pouco digna por uma encosta abaixo. Gosto muito do Nabokov.
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9 comentários:
«Gosto muito do Nabokov.»
somos dois :)
Ao ler isto pensei imediatamente do filme "O Duelo" de Ridley Scott ("The Duelists" no original, em boa hora vi à uns tempos no canal Hollywood, acho que é o primeiro filme dele e claramente um dos melhores, muito acima da maioria que veio a seguir) que também é baseado é baseado num conto mas do Joseph Conrad. Nunca tinha interiorizado a ideia do duelo daquela maneira (obsessiva ao extremo...). Imagino no conto... (do Nabokov não sei de nada:))
PS: Parabéns atrasados :)
Nabokov é muito porreiro, sim senhor.
Também ão conheço esse conto do Nabokov. Também como o P.G.Nogueira pensei n’”o duelo” do Ridley Scott, e com ele igualmente partilho a opinião.
Mas se o Nabokov faz referências explícitas a duelos literários num texto em que o "protagonista, encornado pela mulher, foge cobardemente poucos instantes antes do duelo, rebolando de forma muito pouco digna por uma encosta abaixo"… não creio que seja volta irónica ao texto.
Antes creio ser o texto uma referência e elogio ao Pushkin.
Poursan, sim, o Puchkin, também há uma referência ao mesmo lá. Nunca li esse "pai" dos russos, só os filhos e netos.
obrigado Pedro :)
Duelo mítico é o do Pais e Filhos, do Turguenev, até no Duelo do Tchekhov falam nisso.
Por falar em duelos , conhece a obra do Patrick o'Brian , e se sim , o que é que acha , assim resumidamente?
Corrigi o post, o conto chama-se "Uma questão de honra" e não o Duelo.
Jorge, não li. REcomendas algum em particular?
Essa para mim é m difícil porque a parte principal da obra é uma saga em 20 volumes , qualquer deles se pode ler "sozinho" mas aprecia-se mais se se tiver uma visão do todo , os especialistas chamam-lhe "roman fleuve" , pelo que vi na wikipedia. Nunca se perde em começar pelo primeiro , chama-se "Master and Commander" e não te assustes com as ligações cinematográficas... Apela mais a pessoas ligadas ao Mar e às vezes a linguagem é técnica e ainda por cima arcaica ,mas tem um verdadeiro "culto" de leitores fiéis de todas as áreas. Nunca li nada , nada que se comparasse,estou constantemente a reler ,está lá tudo... especialmente questões de Honra...Se algum dia leres algum , não te esqueças de partilhar aqui a opinião. Cumprimentos!
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