segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

estilo

O que o Eremita vai aprendendo (e ensinando). Um bom estilo próprio é o reflexo do que fazemos naturalmente e podemos ir incorporando mais coisas nesse estilo próprio, ou com aulas de solfejo (o trabalho de crítica, edição e revisão de terceiros) ou com exercícios de estilo e muita leitura. Se fazemos um esforço consciente a meio de uma frase para a escrever, por exemplo, para procurar o termo mais adequado, um adjectivo, uma metáfora perfeita, é porque estamos a sair de pé e a armar-nos ao pingarelho. Escrever é um improviso em tempo real em frente a uma plateia. Procurar uma forma mais perfeita é o mesmo que o Miles Davies parar a meio de um improviso para pensar um bocadinho. Com a prática, não começamos um solo que não saibamos como resolver e com a prática, crítica, revisão e porrada, pensamos em solos um bocadinho mais complexos e podemos aventurar-nos.

Mesmo assim, as técnicas só têm interesse (para mim) se forem imperceptíveis e estiverem exclusivamente ao serviço do texto e não o contrário.


Por exemplo, valter hugo mãe., um autor que usa* apenas minúsculas, justifica essa opção com ..

«acha que as maiúsculas são uma "sinalética" que só atrapalha a leitura. "Simplificando, sintáctica e graficamente, chegamos a uma escrita mais próxima do modo como falamos", justifica. "As pessoas não falam com maiúsculas. É a simplicidade que procura e está convicto de que usando apenas minúsculas não só o pode almejar, como "acelerar" a própria escrita. E "agilizando o texto" aproxima-o não só do ritmo da fala como do próprio pensamento.»

O problema que me acomete quando passo os olhos pela escrita de VHM é que não consigo deixar de reparar que está tudo com minúsculas, logo para começar. E que isso é uma opção estética consciente de um autor que existe algures e que optou por colocar tudo em minúsculas para procurar um determinado efeito, aliás, muito previsível, comum e pueril. Em mim, pelo menos, causa precisamente o oposto do efeito pretendido, pois entre mim e o texto, interpõe-se um autor que escolheu não usar maiúsculas.

Quanto ao ritmo da fala ou do pensamento, dá a sensação que VHM sugere que toda a literatura que não fez uso da minúscula, não se aproximou tanto do ritmo do pensamento e da fala. E no entanto, era tão simples. Era uma questão de minúsculas. Mais adiante, informam-nos que jamais usa reticências:

E jamais usa reticências. Abomina esses três pontinhos que considera o "excremento da pontuação". "É uma menorização da capacidade de leitura e de compreensão. É o sinal gráfico mais insuportável, porque é um sinal de desrespeito pelo leitor, que trata como se fosse estúpido".

... o que dizer...?


*(entretanto informaram-me nos comentários que isto foi em 2010 e ele entretanto, no último livro, já usa maiúsculas. Interrogo-me sobre o que o terá levado a sacrificar a agilidade do texto e a proximidade do mesmo à forma como as pessoas falam e pensam. Terá sido o facto de estarem sempre a fazer-lhe perguntas sobre uso de minúsculas e merdas dessas em vez de se focarem em coisas mais interessantes?)

20 comentários:

a_secretária disse...

Não sejas assim, isso foi em 2010, entretanto no último livro ele já usa maiúsculas! Foi uma fase, tájaver?

Anónimo disse...

(escrevo envergonhada) eu detesto as maiúsculas. não sei porquê. já pensei que era preguiça, mas não é. não gosto de as ver, sobranceiras sobre as minúsculas... (mas abuso das reticências, como se pode ver.

nunca li nada de vhm.

Anónimo disse...

Pseudointelectualismo de gaveta da parte dele.

Menos treta e melhores histórias.

Tolan disse...

atenção, eu não acho nem bem, nem mal que se escolha escrever tudo com maiúsculas, minúsculas, sem vírgulas, só com vírgulas... aquilo com que discordo é com a ideia absoluta de que um recurso desses é capaz de acelerar ou travar um texto, como se fosse uma fórmula. Aliás, a opinião dele sobre as reticências vai no mesmo sentido. Ainda há tempos vi uma discussão completamente imbecil sobre o uso do ponto de exclamação. Eu não percebo como podem haver autores que atribuem uma carga assim tão forte a coisas completamente superficiais, seria o mesmo que ver pintores a afirmar que se recusam a usar pincéis de determinada dimensão porque isso faz uma arte mais distante do público e da maneira dele ver as coisas.

Sexinho disse...

A mim, como a ti, a não utilização de maiúsculas, quando o texto o pede, tem precisamente o efeito oposto ao pretendido pelo autor; gosto do grafismo que me ajuda a acentuar, atenuar, a acelerar ou a travar o discurso escrito.
Gosto de maiúsculas gritantes, minúsculas sussurrantes, ponto e virgulas que suspendem uma ideia para logo após lhe dar continuidade, gosto de virgulas em que respiro, ou desacelero o discurso, de reticências que deixam tudo em aberto, de exclamações, de interrogações e claro, do ponto final!

Anónimo disse...


Sim, eu também não discordo de os autores terem um estilo próprio de sintaxe ou uso gramatical, desde que sirva a narrativa ou forneçam uma ideia plaúsivel e interessante do porquê de trabalharem assim.

O argumento (pelos vistos caduco) do VHM não serve. Dois livros dele no goto e nunca me lembrei: "Uau!Que texto agilizado, flúido e próximo do pensamento que este fulano tem!". Até acontece ser uma distracção porque não serve para nada. O que é diferente é bom na maior parte das vezes, agora a diferença pela diferença, Eh...

Mas pronto ele é escritor, eu não, ele lá sabe. Não sendo um génio acho-o competente e uma boa leitura.

Podia era oferecer uns lenços ou umas canecas de café com os livros dele, isso sim era diferente.

Anónimo disse...

Valter quem?
R.

Hipster Karenina disse...

"Quero com isso significar que é como narrador oral que me vejo quando escrevo e que as palavras são por mim escritas tanto para serem lidas como para serem ouvidas. Ora, o narrador oral não usa pontuação, fala como se estivesse a compor música e usa os mesmos elementos que o músico: sons e pausas, altos e baixos, uns, breves ou longas, outras" José Saramago, Cadernos de Lanzarote.

O pessoal gosta de se queimar, o que dizer?
Não concordo com nenhum deles, mas não me faz comichão nenhuma ler nem um, nem outro, lamento é o facto de a maior parte das pessoas não pegar nos livros de certos autores por causa deste tipo de estigmas que se criam à volta deles.

Já agora, o que tens tu contra os textos justificados? :P

Tolan disse...

a música também se escreve com notas e símbolos que traduzem esses sons infinitos e ideias abstractas.

Lembro-me de livros do Saramago em que os diálogos estavam separados por vírgulas (li uns 8 ou 9 livros do saramago). Resultava nuns diálogos esquemáticos e monocórdicos, porque o problema de separá-los por virgulas em texto corrido é que não existia espaço para pontuação adicional e o leitor não tem tempo nem sinais para fazer inflexões no tom. Também impossibilita que se introduzam elementos no meio. Contudo, pareceu-me uma opção consciente e estilística e uma pessoa habitua-se, tem é de ficar muito concentrada porque basta distrair-se um pouco e perde o fio à meada, quem diz o quê...

Izzy disse...

Quem eh o da foto? Es tu tolan?

Tolan disse...

Não, é a tua tia :P

Ex-Vincent Poursan disse...

Tenho visto o nome deste senhor por aí… mas já não sei onde. Não posso portanto afirmar que foi numa porta de WC junto a um número de tlm a dizer que faz bons broches e tem o cuzinho limpo.

Mas se ele disse isso das reticências… se por acaso fores a algum fórum desses onde vão os escritores e o encontrares por lá a tratar do som, diz-lhe que eu sugeri que enchesse o cu de reticências… e depois o abane à maneira!!!
Vai ver que é uma sinalética que em vez de atrapalhar… agiliza o contexto!!!

Maat disse...

está descoberto, foi nesse senhor que eu me inspirei. odeio maiúsculas também.

qual é a cena de os autores contemporâneos terem todos brincos (refiro-me a josé luís peixoto, como é óbvio)?

maria disse...

Uso reticências e gosto. É aquela coisa que alguém disse por aqui "deixam tudo em aberto".

E onde é que fica o tal "sinal de desrespeito pelo leitor" E porquê que desta forma se trata o leitor como se fosse estúpido? Se se deixa em aberto, logo e de alguma forma existe a tal coisa de estimular a imaginação do leitor. Isto tratando-se de escritores, que é coisa que não sou.

Palmier Encoberto disse...

Pfffffff.... vim ao engano...
Vi o título "Estilo" e achei que podia, finalmente, trocar impressões contigo sobre malunfas Prada... Já vi que me enganei...
(e ainda por cima, usei imensas reticências e maiúsculas e letras e aspas e vírgulas e até mesmo uma onomatopeia...)

Izzy disse...

Lol, nao estou a gozar, juro que nao sei quem eh... e, por acaso, com cabeleira e baton nos labios eh um dead ringer da minha tia Aurora.

Mas fiquei sem saber quem era? Eh o tal VHM que os illuminati adoram detestar? Alguem ajude uma rapariga curiosa.

Vareta disse...

Ó rapaz, o que vale é que é nos comentários... - notai as reticências como transcrição de uma pausa chistosa na oralidade - mas uma frase como "(li uns 8 ou 9 livros do saramago)" era o suficiente para que os anjinhos da linguagem deixassem tombar sobre a tua airosa cabeça uma piquena bigorna com a gravação "olha lá o estilo, man". Mais a mais, se as leitoras do blog não forem submissas, facilmente compreenderão que tal frase é um puro exemplo de 'discurso fálico', na linha de um "mandei umas 8 ou 9... e sem tirar!" Ninguém questiona que os leias ou que as mandes, mas escrever "(li uns 8 ou 9 livros do saramago)." comodifica o objecto e esquece-se da literatura.

(Afinal, não estavas a louvar a porrada, no texto?)

Tolan disse...

:))) até exagerei, não devem ter sido tantos. Mas gosto do Saramago.

Anónimo disse...

Tolan, amigo, estás a ficar chatinho caralho. Tu vê lá isso, pá.

Capt. Paddock disse...

Escreveste mal Miles Davis e eu acho que não fica bem a um futuro vencedor do Man Booker International escrever Miles Davis com um 'e' a seguir ao 'i'. Merdas sem relevância, mas que é que queres...