segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

viagem ao fim da noite

Termino a re-leitura do Viagem Ao Fim Da Noite, do Céline (1932). Quando li o livro a primeira vez, era novo demais. Foi um choque passar de Tolkien e hobbits para estripalhados nas trincheiras e a lição filosófica de que a humanidade não vale nada. A recordação que tenho é difusa, como a que se tem após um acidente de carro. Recordo-me de acabar de o ler no pátio da minha casa na aldeia e de estar doente, como estive quando li a Montanha Mágica. Aliás, quando era puto lia grandes romances quando adoecia porque não tinha mais nada para fazer, enfiado no meu roupão e na minha excelente chaise longue do pátio. Sei que estava doente, com febres altas, porque me lembro que isso me conferia uma espécie de intimidade e empatia com o Céline em África. A ele davam-lhe quinino, a mim xarope para a tosse e aspirinas. Infelizmente, ele curou-se antes de mim, no último terço do livro raramente fica doente, desfeita que o Hans Castorp não me fez, muito pelo contrário. No fim fiquei muito triste e emocionado, como só os adolescentes patetas podem ficar, com aquelas coisas de "só eu te compreendo" e "a minha vida mudou para sempre" e cenas desse tipo assim. Só posso imaginar o que o livro me fez. Agora vivi demais. Sim, sim, que eu não sou um rato de laboratório literário, afinal de contas, eu vou a cabeleireiros de bairro. Já li muito desde 1992 ou 93, muitas coisas que emanaram do Céline, algumas de forma tão evidente que agora me parecem ter mirrado para algo de irrelevante. Houellebecq, um contemporâneo francês, à cabeça. Ainda por cima agora aponto defeitos na obra, o último quarto de livro é algo cansativo, quando Céline repisa interminavelmente novas formas, impecáveis diga-se, para dizer exactamente o mesmo que já disse trezentas vezes antes. Talvez na re-leitura do Viagem ao Fim da Noite tenha fechado um puzzle. Uma pessoa vai ao fim da noite e pronto, já viu tudo. Depois o ciclo repete-se. O impacto das obras que versam sobre um determinado tema tem uma correlação inversa com aquilo que sabemos do tema. As obras mais arrojadas, digamos assim, costumam encantar o néscio ao mostrar-lhe paisagens que lhe são vedadas pela moral, pela educação, pela família... Tanto pode ser Nietzsche como uma revista pornográfica. É como espreitar pelo buraco da fechadura do tempo, indo para além do conhecimento que os próprios pais e os professores da escola têm das coisas. Sim, depois de ler o Céline, o jovem percebe tudo, vê através de tudo, está acima de tudo, muito à frente. Eu devia estar muito à frente da humanidade, ali de pijama e roupão, a congeminar planos eh eh... Hoje em dia, comovo-me é com os primeiros minutos quatro minutos do Up.


7 comentários:

Anónimo disse...

«com aquelas coisas de "só eu te compreendo" e "a minha vida mudou para sempre" e cenas desse tipo assim»

porra. há livros que ainda (quase) me fazem ficar assim.

Izzy disse...

Es um softie, Tolas.

Anónimo disse...

isso da adolescência é o quê? e é quando? aos 14, 16, 18? aos 30?

não era o passos coelho que lia a "fenomenologia do ser" de sartre entre as punhetas da juventude?


Anónimo disse...

Eu comovo-me com o momento final do Papillon. Com o Dustin Hoffman no Midnight Cowboy. Com o James Cagney. Com o Jonh Wayne. Com aquele tipo do Deadwood. Com o Tony Soprano. Com aquele tipo o Citizen Kane. Com o Taxi Driver. Com os Duros não Dançam do Mailer. Com o A Leste do Paraíso. Com o "all pretty horses" do Cormarc. Com café quando não bebo 2 dias seguidos. Quando há comboios da CP a funcionar. Quando consigo resolver problemas de lógica. Quando lembro um nome de autor no momento oportuno.
R.

Unknown disse...

gosto de o ler :) a si :)
uma vez comparei a casa do up que vai de balão aterrar na cascata com uma obra de Arquitectura muito famosa (podia ter sido com outras arquitecturas também de balão mas foi com a mais famosa) e mesmo assim ninguém me ligou :)))
celine (uma desgraça nunca vem só) nem a dion :)))

avis rara disse...

isso não será velhice?

MDRoque disse...

Ler é bom. Ler-te é fantástico ! ... o Up! é o máximo ... eu acho que choro do princípio ao fim... também choro que me farto...