O Suttree do Cormac McCarthy foi escrito ao longo de 30 anos, de forma intermitente. Isso pode explicar porque o estilo hiper-adjectivado-adverbiado das primeiras páginas e a linguagem pomposa e pseudo-poética desaparece rapidamente (30,40 páginas) para dar lugar a uma escrita perfeita e fluída, mas sem perder o cunho poético e elaborado que distingue a sua escrita de outros americanos semelhantes, sempre com uma discurso mais directo e monolítico. Talvez não seja resultado da intermitência, pois se McCarthy esteve 30 anos à volta disto, é possível que tenha tentado fazer uma antecâmara barroca, uma espécie de igreja monumental, onde se entra de cabeça baixa e chapéu nas mãos, para ouvir o sermão. E que sermão... Lembra um Huckleberry Finn mas em versão decadente, negra, com uma violência fria semelhante à de Flannery O'Connor e um humor 'Twainesco'. Tem aquele toque que só o rio Tennessee pode dar a um livro. Os rios são muito importantes. É evidente que muita da escrita de Fernando Pessoa é influenciada pelo Tejo, qualquer pessoa vê isso. A contemplação que inspira, a luz que reflecte e que transporta a cidade para um mundo onírico simbolizado pelo oceano enorme ali à frente, irreal, abstracto... Fica-se a anhar. O rio Tennessee é lamacento, rodeado por margens pantanosas, habitadas por insectos, lixo e a escumalha humana na orla das cidades. Não desagua no mar, serpenteia, alarga, estreita e a à noite fervilha de criaturas, fermenta mistérios de escravos negros e zurrapas venenosas em alambiques. É evidente que vai dar Twain ou McCarthy. Os parisienses tem o Sena, um rio domesticado e ornamentado de pontes todas cheias de dourados e depois eles ficam todos arrogantes e napoleónicos, mas há bons pintores apesar de tudo. Madrid nem rio tem* e isso nota-se muito bem, é por isso que muitos madrilenos são franquistas realistas e nacionalistas e falam aos gritos mesmo que tenham as caras a 20cm uns dos outros. Não estão habituados à delicadeza do marulhar das ondinhas de um rio nas margens e por isso nunca escutam e ensurdecem-se uns aos outros.
*Entretanto, lembraram-me nos comments que Madrid tem o Manzanares. Eu referia-me a rios a sério, tipo Tejo e Tennesse, coisas desse tipo e não a riachos ou ribeirinhas em jeito de canal de esgotos a céu aberto.
15 comentários:
manzanares
Falta um C no apelido. McCarthy.
Nao li o Suttree. Vou por an lista. Recomendo-te The Road. Eh negro, sem esperanca, um murro no estomago. No fim ficas com vontade de te preparares para o fim do mundo civilizado.
já estão todos corrigidos, tudo corrigidinho.
E eram muitos caray!
Obrigado Izzy, vou colocar na minha lista "a ler" :)
Pois, tens razão, o sena não é nada um esgoto canalizado a céu aberto. Tem pontes.
"os rios são muito importantes" :))) ai que a silvia não vai gostar da red-acção (tipo 4.ªa classe) :)))
não há cidades sem rios (nem escritores que não metam água) :)))
os espanhois passam bem sem água :) cervantes sabe-me a pó:)
Tem pontes muito bonitas, assim com cenas a ouro e tudo. Tu não sabes porque nunca foste a Paris, só a Madrid. No máximo foste à eurodisney. Paris tem uma ponte que é o Neuf e que tem amantes lá em cima o tempo todo.
fica ao pé do louvre, como quem vai para a notredame.
mesmo antes do meu bistrot preferido, o escargot ivre de champanhe.
Nem de proposito, tinha isto hoje no meu FB feed:
Writer’s notes reveal Cormac McCarthy’s pathological resistance to elaboration
Read more here: http://www.kansascity.com/2012/12/20/3975263/writers-notes-reveal-cormac-mccarthys.html?storylink=digger-topic#storylink=cpy
interessante izzy, e não errei muito.
Pois nao, acertaste em cheio. Se isso de escrever livros nao der pra sopa tens futuro na critica literaria (xiu, o Alf que nao nos oica).
Fugindo da temática central do post...os madrileños são franquistas?????!!!!!! Ou era só para rimar com realistas??
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