- Meninos, lembrem-se, temos de poupar. Não podemos comer bife todos os dias.
- Sim, mãe.
- Vamos sobreviver a isto, juntos, com a ajuda de Deus. Que maçada,
o jantar nunca mais vem... Ó Jacinta, pode servir o jantar!
- Mãe, a Jacinta já não trabalha aqui, despediu-se hoje. Diz
que sem salário, não trabalha. Diz que vai voltar para o Brasil.
- Essa criatura esqueceu-se de tudo o que fiz por ela?! Trabalha para mim desde os 16 anos! Era como uma filha! Meu Deus... pronto, vou cozinhar para vocês. Bacalhau à lagareiro! Que tal? Na bimbi é um
instante!
- Mãe, o Salvador teve de usar a bimbi para misturar a argamassa
e preparar a cal das obras e pinturas no novo quarto dos bebés dele e da Carlota.
Diz que a barraca que fizemos para caberem lá todos tem de ser impermeabilizada
por causa do inverno. E diz que vamos ter de fazer outra barraca no quintal porque a
Mariana e o Bernardo vão ter pelo menos cinco filhos.
- A sério Bernardo... cinco filhos?
- Sim mãe! Temos de povoar a Terra.
- A Terra é grande, mas o quintal.... a coelheira que o pai fez para a criação de ratazanas já me ficou com o canteiro das azáleas.... Quero dizer, estou orgulhosa de vocês. Muito bem. Olhem, pronto, vou fazer um bacalhau à moda antiga, como a empregada da vossa avó fazia e a empregada da vossa bisavó fazia.
Mariana, vá comprar umas postas à mercearia.
- Mãe, é muito caro. Da última vez que a mãe foi comprar
postas para nós, o pai teve de empenhar umas jóias da avó e fartou-se de
ralhar. E não é preciso, a Beatriz está a fazer o jantar. Sopa de urtigas, esparguete fora de prazo com sangacho de atum fora de prazo.
- Pronto. Tudo se resolve. Oh, aí vem a Beatriz. Que óptimo aspecto Beatriz, a
mãe está orgulhosa. Mas demorou! Temos de jantar às 19:30 em ponto.
- Ó mãe, as tábuas do closet dos sapatos demoram a arder e
no início soltam cheiro por causa da tinta. Tive de esperar até fazerem brasas
e poder cozer a massa.
- Provou a massa?
- Provei mãe, o ranço está no ponto.
- Salvador, vá chamar o pai para a mesa.
- O pai hoje faz o turno da noite no táxi, não está em casa.
Só volta de manhã.
- O turno da noite? Mas ele não faz o turno do dia também?
- Ele disse que tinha de compensar o tempo que perdeu por
causa do assalto da semana passada e dos
tratamentos no Santa Maria, por causa da facada....
- Santa Maria?! Mas esse hospital é... público...
- Mãe, não chore. O pai é forte. O pai aguenta... o pai é forte... não chore...
- Santa Maria?! Mas esse hospital é... público...
- Mãe, não chore. O pai é forte. O pai aguenta... o pai é forte... não chore...
- *snif* Pronto, já passou. Não há problema. Organização. Pronto.Guardamos comida para ele. Nada de desperdícios. Carlota,
os tupperwares aqui à mão, vá, rápido. Organização, meninos!
- Os tupperwares estão na sala por causa das goteiras do
tecto, hoje abriu-se uma nova por causa da chuvada de ontem.
- Ó filha, ponha umas toalhas no chão, traga lá um
tupperware, dos pequenos…
- Mas mãe, precisamos da água da chuva para lavar os dentes
e para a sanita.
- Pronto, esqueçam lá os tupperwares… ai que dor de cabeça…
Vamos dar graças, venham todos para a mesa. Vamos dar as mãos…. A propósito, o
Padre Seabra e o Abade Francisco? Costumavam vir às terças e
quintas, dar-nos apoio espiritual...
- Mãe, desde que o pai lhes serviu aquela ratazana à conventual pela Páscoa, nunca mais apareceram. Acha que estava mal temperada?
9 comentários:
"O ranço está no ponto"... Se imaginarmos as falas com pronúncia de tia de Cascais, fica um mâssiimôô, pecêbe? :D:D
Ah ah ah que delicia tolan
És de esquerda Tolan?
Ui... és mesmo de esquerda... tinha mesmo muita fé em ti. Falei de ti a todos os meus amigos. Inclusive à minha pretinha.
Desilusão.
R.
Ahah já tinha imaginado uma coisa assim parecida, ri-me bastante, muito bom!
Este texto nas mãos da Maria Rueff e Ana Bola, com o Monchique a ajudar ia ser de gritos. muito bom, mesmo.
ahahahahahaahahh!
Bom, muito, muito bom!!! :))))
(concordo com a Marta)
Tão bom.
Que maravilha!
hum..
e a jonet não tem um plano de contingência? achas que as jonetes deste mundo são apanhadas facilmente pela crise?
o cenário que retratas é o fim do mundo!!!
mesmo assim, se fossem apanhadas pela crise, tenho para mim que as jonetes mais facilmente assaltavam a mercearia da esquina do que ficavam em casa paradas à espera que os filhos e os empregados cuidassem de tudo.
estou a ver que conheceste poucas beatas na tua vida. para o bem ou para o mal não são mulheres de ficar à espera que os outros façam o que, no seu ponto de vista, deve ser feito.
o que retratas aqui é outra coisa, mais optimista, menos em contacto com o lado negro da vida onde as beatas gostam de se mover. talvez uma dona de casa do jet-set, que de um dia para o outro se vê sem a guita do marido.
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