take shelter, ou chuvadas de outono

 Já não me lembrava da sensação de apanhar uma chuvada como as pessoas de esquerda que vão de transportes e que eu gostava de encharcar ao fazer-lhes razias com o BM nas paragens de autocarro . É desagradável. Sem viatura, a chuva cai em cima de nós, sejamos pobres ou ricos. Os ricos sofrem porque têm roupa que se estraga, peles, lãs de qualidade, sapatos de cabedal, a maquilhagem das suas mulheres desbotam e escorrem pelos rostos dando-lhes a aparência de guaxinins neuróticos. Os pobres sofrem mais porque apanham pneumonias e tuberculose e os relógios deles não são à prova de água. Enquanto escorria a água do meu cabelo e me tentava agasalhar no casaco, protegendo o meu livrinho do John Dos Passos como se fosse um bebé, lembrei-me da Plaft hoje de manhã: - Não levas o chapéu de chuva? Vai chover. Ela sabia que ia chover, como o tipo do take shelter. E sabia que a chuvada ia ser assaz desagradável. Ela sabia porque é de esquerda e pobre (passe a redundância) e eles desenvolvem um sexto sentido para com os elementos pois nunca se sabe quando vão dormir na rua de novo. E eu ri-me, como um neo-liberal prestes a meter as fichas todas na bolsa em 2008, apenas para me ver preso, vinte minutos depois, debaixo de uma varanda mínima numa rua enorme, sem o raio de um café por perto, com as calças ensopadas, o cabelo encharcado e os sapatos alagados. Foi uma grande aventura, digo-vos.