Eu já desconfiava que ia ser duro, mas acabei de passar
pelas 6 horas mais “O Estrangeiro” do Camus ou “O Processo” de Kafka da minha
vida num auditório de uma multinacional fixe. Entre esse momento e o agora meteu-se uma garrafa de vinho chileno
manhoso a 25 euros (qualidade de vida em São Paulo = dinheiro) a debitar ao cliente no restaurante
deprimente, por isso este texto vai sair sincero. Uma apresentação para um
board de 30 pessoas de uma multinacional que vieram para um linchamento, por acaso o meu. Os
olhos frios, cinzentos, da tipa do anel de brilhantes que me interrompeu a cada
10 segundos com uma observação impaciente, os suspiros de impaciência... Nesses momentos (a nível profissional
só tive uns 2 ou 3 destes mas nenhum desta magnitude nem de perto nem de longe) o meu organismo faz um
split entre alma e corpo. O meu corpo físico permanece ali, sentado, de fato e
gravata, diz que sim com a cabeça, não riposta, toma notas e é subserviente às
críticas que se auto-estimulam (um atira a primeira pedra, depois os outros
atiram com mais à vontade). A minha mente regressa à infância. Lembro-me do meu
cão. Lembro-me das ondas do verão, do pato com laranja que comi na tia rosa,
dos meus amigos, da minha Plafty, da playstation, do bom livro que estou a ler
(o John dos Passos é um deus, tema para outro post). O meu corpo físico é uma entidade abstracta e neutra que ali está no palanque, não tenho medo, sou imortal, a minha alma é intocável e eterna e minha e só pode ser atingida pelas pessoas que amo.
Escrevo isto ao som de
helicopteros a sobrevar o hotel. Foda-se. O horizonte castrado por arranha céus
disformes. Executivos com pressa.Vou ficar com stress pós traumático?
Já percebi qual é o
problema de Portugal. O problema (supondo que a maior parte dos
meus leitores vive em Portugal) é que vocês não levam a “carreira” e o “dinheiro”
tão a sério como noutros sítios tipo este aqui ou alemanha. Vocês são moles. Vocês gostam de um fim de
tarde à beira tejo ou Douro. Vocês ficam felizes com a merda de um
apartamentozeco, ir à praia, os amigos, ter um puto, uma vidazeca, namorar, beber um vinhinho, umas cervejas e comer uns caracóis, a pança cheia, ver a bola,
ir ao café, beber um copo e vocês, meus filhos da mãe, dão-se por contentes com isso.
Quando aterrei aqui, vi as favelas a arder do avião. Pensei que fosse uma queimada de pneus ou uma merda do tipo. Não, eram as favelas, a arder, vi no jornal
7 comentários:
Existem uns que são assim mas existem outros que não
DESBOCADO!
http://comentadordesbocado.blogspot.com/
Eu acho que só devias escrever. Devias ser proibido pelo médico de exercer qualquer outra actividade. Nomeadamente essa, em que tens de te encontrar com uma tipa com um anel reluzente. Nós, os pequenos parasitas que andam sempre aqui à roda à espera de um rebuçado, tínhamos a obrigação de pagar um ordenado. Como em qualquer organização religiosa, devias ter direito ao dízimo, é o que é… eu cá, já aqui tenho os meus 10% de parte :)
Aí as favelas, aqui mato e pinhal. Tudo arde. Vou beber café.
Foi o que mais estranhei em São Paulo, nas horas de ponta parece o Vietnam, só se ouvem helicópteros a sobrevoar a cidade.
O incrível é haver poucos acidentes, seria de esperar que caíssem pelo menos 2 por semana.
A vontade concerteza era mandar 2 berros à senhora de anel reluzente e colocá-la em sentido, mas entendo que isso seria descer ao nível dela. Por isso é sempre melhor optar pelo "problema de Portugal", sempre nos dá uma certa paz interior:)
Pá, que mal tem ser-se feliz a ver a bola?
Não tinhas um desintegrate à mão?
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