Os meus verões tendem a ser iguais de há uns anos para cá. Os escritórios esvaziam de tudo o que tem crias e responsabilidades familiares enquanto eu fico até Setembro pelo menos. Agosto é sagrado. Dizer a um português para não ir para o
Algarve em Agosto deve ser o mesmo que dizer a um pinguim da antárctica para não marchar. As visitas no blogue caem a pique e fica apenas um resíduo de utilizadores de iPhone e iPad e outros que não tenham responsabilidades familiares. Não desgosto da situação. Durante este período Lisboa fica deserta, o trânsito é rarefeito embora enervante devido às pessoas que conduzem em modo "férias": braço de fora, carro cheio de tralha e/ou crianças, 30 à hora, apatia perante um semáforo verde aberto etc. Também é aborrecido quando todos os cafés e restaurantes de um determinado raio geográfico da cidade fecham todos ao mesmo tempo. Gosto da experiência de testar o que será Lisboa no início de 2014 quando sairmos do euro. Infelizmente este ano as coisas tenderão a ser mais complicadas para o meu lado, a nível de trabalho, pois é o fim de um projecto meu muito importante para uma multinacional localizada numa grande cidade do hemisfério sul que está em pleno período de trabalho, muito activa, e que nos últimos meses me tem enviado pelo menos um e-mail por dia com pedidos que vão desde o "é absolutamente necessário reduzir o prazo da etapa 4 de 15 dias para 2" ao "enviem-nos isso de novo mas agora queremos isso em azul, de trás para a frente e em mandarim". Quando for lá, logo nos primeiros dias de setembro, vou ter três apresentações para três equipas de marketing diferentes, hostis e encarniçadas, daquelas que levam o mundo do trabalho global a sério e não são de todo ursos feiticeiros. A minha motivação também é excelente. Entre layoffs, despedimentos, atraso nos salários e cortes de custos (já nem tenho café de borla) é extremamente provável que a empresa feche em breve. As chaves do carro alemão vão ser devolvidas no fim deste mês. Perguntaram-me se queria comprar o remanescente do leasing. Apesar de achar excelente a ideia de adquirir um reluzente bólide alemão para me reconfortar no desemprego, recusei. Se ficar livre vou ter tempo para mim, desde que resista às oportunidades de emprego e empreendedorismo que não faltam a quem tenha um mindset neoliberal. Mas não queria. Só preciso de um computador, uns tostões para comida e cerveja. Livros já eu tenho, pois acumulei um belo espólio de coisas que ainda não li. São os meus sonhos. Queria começar outra coisa e atirar para o lixo o passado, tirar estas roupas. Gostava de descer até um chão simples, mesmo que modesto e inóspito, e poder ser um urso feiticeiro real ou um pinguim concreto em vez de viver no surrealismo do mundo dos negócios.
12 comentários:
Ora aí está a visão optimista da vida a vir ao de cima. Nem todos conseguem ver sempre o copo meio cheio e sobretudo retratá-lo tão bem!
No teu caso, precisas de um mindset mesmo muito pouco neoliberal para resistires à oportunidade de empreender em assumir o escritor a full time que há em ti. Muda de roupas e de chão e leva só um portátil. Tu tens sorte, e nós também.
Hoje tive mesmo de comentar; mas o anónimo tirou-me as palavras.
Faço minhas as palavras dele(a)
não-tomates
boa sorte, Tolinhas. bjo
Todos aguardamos o pinguim concreto.
sabes aqui onde eu trabalho estão a reduzir os custos chamados fixos e a manter os variáveis (o café ainda cá anda). Estão a reduzir o número de assalariados e a colocar excesso de trabalho no que cá ficam sempre a ganhar o mesmo e na ligeira tedência de ganhar cerca de 20% menos. Esta situação impera em muitas empresas multinacionais. quem fica sacrifica-se e quem fica quer sair. Na altura da renovação desejei ser "despedida", porque estou farta de ser tratada como um número e como uma máquina. porque daqui para a frente é sempre a descer e na descida todos os santos ajudam. A realidade portuguesa está a tornar-se insustentável para o que cá ficam. Outro dia alguém guru da motivação dizia aos seus "liderados" que mais vale manterem-se como estão porque melhor não há. Se calhar há e não é aqui. Estou à espera de sair daqui, de sair de portugal e desta empresa que só olha para os números. talvez saia daqui quando deixem de nos dar café de borla. Até vou procurando a "minha praia" mas irei continuar a dar o litro. Afinal eles é que erram, não nós.
BG
BG, eu não considero que a culpa seja necessariamente da empresa onde estou porque faço parte dela e não a vejo como uma entidade oposta aos meus interesses, apesar de ter discordado de inúmeras decisões de gestão todas no mesmo sentido no passado (expansão, alavancagem financeira excessiva e maus investimentos). Não importa. Conheço as contas a fundo. É uma equação muito simples, ou há ajuste ou fecha. Todos entendem isso, havendo discussões sim ao nível da distribuição dos sacrifícios e daquilo que apontas, o esforço acrescido num cenário de desmotivação.
Como muitas empresas, foi criada e pensada para um cenário de a) crédito disponível b) crescimento económico. Os erros que esta cometeu, milhares de empresas (e o estado e particulares e bancos) cometeram ao não prever o fim dos cenários a) e b) e não foi só em Portugal como sabes.
Ficam entalados e com um serviço de dívida elevado que estoira exactamente no momento da recessão porque os bancos querem a liquidez de volta hoje e com juros. O estado, empresas e banca viviam num sistema de rotação de crédito que consideravam normal. A liquidez que circulava vinha quase toda de dinheiro emprestado. Ainda hoje não entendo coisas como os Berardos que, apesar de terem fortunas pessoais enormes, precisam de pedir 10x mais do que têm para comprar acções de um BCP a 3 euros e que agora valem uns 5 cêntimos. Tal como não entendo o particular com um bom salário que corre a comprar uma casa hiper-inflaccionada e um carro topo de gama. Tal como não entendo que a base de todos os estados ocidentais excepto os nórdicos funcionam com crédito e assim que deixam de se poder financiar, estoiram e precisam de um bailout.
É pela observação deste fenómeno a nível global que concluí, de uma forma talvez algo marxista, que uma mudança obrigatória é a diminuição da alavancagem de particulares, empresas e estado e a transição para um modelo de poupança combinada com crédito altamente escrutinado e cauteloso. Porque sem essa mudança, a verdade é que as empresas são OBRIGADAS a alavancar para serem competitivas e existirem sequer, tal como uma família hoje é OBRIGADA a pedir crédito se quer uma casa miserável ou um carro visto que o custo de vida e das coisas (inflaccionadas pelo crédito e liquidez disponível) e as taxas de juro mínimas impedem, racionalmente, a opção de poupar.
http://oanaogigante.blogspot.pt/2012/07/tuite-escolhido-11.html
Tolan, onde trabalho é precisamente uma instituição financeira,m a designada banca que neste momento tão sofrega de liquidez está. O problema da economia mundial está no excesso de liquidez no mercado criada através da alavancagem e da concessão de créditos. os países sofreram com isso, as empresas e os particulares. Tudo vive acima da média das suas possibilidades. A merda da nacionalização do BPN (criou um buraco sem fundo) e o preço de venda rídiculo praticado ajudou a lançar Portugal para o charco. Hoje a Moddy´s vai cortar o rating de portugal em dois níveis.. vamos para CCC e mais um pouco D. Se bem que default será um tanto dificil de acontecer porque tods querem manter o euro mas nem todos querem-se mantar no eur. A Alemanha vai dar de frosques e a França vai-lhe seguir os passinhos. os que ficam vão ficar fraquinhos com uma moeda desvalorizada face ao franco e ao marco e a ter que fazer mais esforços (mais cortes, mais reduções, mais encher os bolsos para quem pode e consegue). As empresas já nem têm fólego para manter dois mercados (o de cá e o internacional). O que fazem? Diminuem a actividade cá e aumenta a no estrangeiro.
Qual será a solução para Portugal? Tornar-se ao nível dos países subdesenvolvidos?
BG
Concordo com tudo BG, infelizmente :\
surrealismo do mundo dos negócios. não teria dito melhor. é isso que sinto todos os dias :S
se te decidires a ser escritor, podias contratar-me para tua revisora linguística e assim também eu deixava o surrealismo para trás (que tanto adoro, mas em termos literários. Hail, André Breton).
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