terça-feira, 1 de maio de 2012

night drive

Saí da cama sem te acordar. Fiz-te uma festa no cabelo  e suspiraste, a tua mão adormecida procurou-me mas desistiu e caiu inerte no edredon de penas como se tivesse um súbito ataque de narcolepsia. Depois peguei-te no pulso e arrumei-te o braço debaixo do edredon para não te constipares. Eram duas da manhã e chovia torrencialmente. Vesti-me às escuras, fui buscar umas cervejas ao frigorífico, escrevi-te uma nota num post-it, peguei no pequeno gravador sony e saí. Nas escadas confirmei que tinha meias de cores diferentes, mas não me importei, não estavas ali e só tu é que reparas nessas coisas. Entrei no carro, fiz reset ao contador dos km, meti uma música de dor de corno e arranquei para a A2 Sul, dando assim início à experiência.



Primeiro afastei-me de ti devagar e de forma intermitente por causa dos semáforos e do trânsito da ponte, mas uns quilómetros depois abri uma cerveja e comecei a afastar-me de ti a 160km/h, uma boa média. 

Liguei o gravador e comecei a gravar notas:

0240 horas, Delta +34km de Amor Da Minha Vida, doravante designado por ADMV. Velocidade +160km/h, música… nightdrive, chromatics.

Sinto a gravidade do ADMV a puxar-me, o universo a ficar num plano inclinado com ADMV no centro. As gotas de chuva rolam até aos extremos do pára-brisas e são pulverizadas em sua direcção. Pode eventualmente dever-se ao vento e à deslocação da viatura automotora. Música induz um estado mental melancólico. Hipótese de lágrimas fracas ocasionais. Over and out.

0300 horas, Delta +92km de ADMV, velocidade +160km/h, música: only the lonely, roy orbison

Calor do corpo do ADMV a ficar mais distante. Aumentei temperatura do carro para não correr risco de hipotermia. A noite ficou mais escura. Sentimento de ciúmes dos condutores dos carros que vêm na direcção oposta, para mais perto de ADMV. Tentativa de abrir a janela para fumar cigarro, hesitação, receio de que a chuva estrague os comandos eléctricos dos vidros. Para efeitos de simulação de sentimento de “quero lá saber”, abertura total de todos os vidros da viatura. Cigarro apagou-se. Over and out.

0330 horas, Delta +180km de ADMV, velocidade 170km/h, música… perfume de mulher, ágata 

Chuva torrencial. Vidros fechados, excepto o vidro da porta direita da frente, deixou de funcionar. Registar resultados para sentimentos futuros de “quero lá saber”. Saudades de ADMV, vida não é possível sem a proximidade física de ADMV. Lágrimas frequentes e sentimento de desespero existencial, possivelmente ampliado de alguma forma pela expectativa de custo monetário da reparação do comando eléctrico do vidro na BMW. Over and out.

0355 horas, Delta +220km de ADMV, velocidade 170km/h, música… strange little girl, stranglers

Necessidade de interromper o afastamento a grande velocidade, formação de poça de água no banco de pele, orçamento para experiência ultrapassado, possível corte de financiamento para experiências futuras. Saída para área de serviço de Almodôvar. Estacionamento com cobertura. Cervejas integralmente consumidas. Solidão extrema, forte sensação de que não vale a pena viver sem ADMV misturada com sono e estimativas de orçamentos de reparação. Over and out.

Só gravei estas, de manhã fui tomar o pequeno almoço a Almodôvar e vim para cima nas calmas pela nacional. Lamento muito ter-te assustado quando acordaste sozinha de madrugada. Desculpa também não ter atendido o telemóvel e só chegar a casa a horas de almoço, cheio de fomeca. A propósito disso, dadas as circunstâncias, compreendo perfeitamente que não tenhas cozinhado o Empadão do Amor como disseste que ias fazer... E admito que o post-it com “adeus mundo cruel” pode ter-te induzido alguma preocupação desproporcional face à discussão que tivemos ontem à noite a propósito de margarida ou manteiga na massa (margarina?!…) Mas é preciso fazer estas experiências em nome da ciência. De forma controlada, sim, mas o mais realisticamente possível, para estarmos precavidos para este tipo de situação e procurar evitá-la. E da próxima vez, talvez penses duas vezes antes de meteres um bocadão de margarina no meu prato de esparguete.

13 comentários:

Pipoco Mais Salgado disse...

Resumindo, Plaft está de volta ao mercado, ou quê?

Isa disse...

:*

silvia disse...

És um lamechas :)
quanto ao edredon não precisavas de explicitar que era de penas:))(pareces o arrumadinho)

Nunca largues a Plaft :)

Anónimo disse...

Eu avio a pandeireta à minha pretinha, sem dó nem piedade. E tu?
Escreves.
Vergonhoso,
O vosso,
.

tata disse...

medo

Anónimo disse...

É estranho como a velocidade instantânea é sempre inferior à velocidade média até às 3h30. Depois, a velocidade média desceu drasticamente mas a velocidade instantânea manteve-se altíssima. Estiveste a beber quando escreveste isto?

Tolan disse...

Não é a velocidade média, o delta é a distância do ponto de origem (ADMV) e a velocidade no título é sempre a instantânea. Para que conste, usei um excel para os cálculos e o google maps para chegar a almodôvar para os 220km.

Anónimo disse...

É melhor reveres o Excel... Volto ao tema com um exemplo, já que não percebeste o meu ponto - em 25 minutos percorreste 40 km, o que dá uma velocidade média de 96 km/h. A tua velocidade instantânea nos 2 pontos é de 170 km/h. Isto significa que pelo caminho deves ter ido de encontro a uma árvore :P

Nos pontos intermédio anteriores, passa-se o contrário, a velocidade instantânea é inferior à média - aqui a diferença não é grande, mas sabe-se que na prática a média costuma ficar uns furos abaixo das velocidades instantâneas de cruzeiro.

Se calhar foi o Excel que esteve a beber uma jolas...

Tolan disse...

No primeiro caso parei para fazer chichi numa estação de serviço. E no segundo foi para enganar a polícia, não ia dizer que andei ocasionalmente a 200, é ilegal.

Mep disse...

Sorte a tua que os policias estavam todos, à hora em que circulavas, em briefing operacional Pingo-Doce-caos, e que nenhum te tenha multado por excesso de velocidade!

Plaft, Sílvia disse...

É que o edredon é mesmo de penas! *snuggle*

Alexandra, a Grande disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alexandra, a Grande disse...

Margarina é motivo suficiente para se chegar mesmo até Paderne. Não sei como te contiveste.