Os pais de Tomás eram de direita. Trabalhavam muito nos
Grandes Mercados e eram muito felizes e bonitos. A mãe de Tomás estava a fazer
uma deliciosa tarte de maçã na cozinha e Tomás estava a estudar engenharia,
quando o Pai de Tomás chegou a casa muito contente, com um jogo de Playstation
muito fixe para Tomás e um perfume francês para a Mãe de Tomás.
─ Uma prenda? É para mim? - perguntou Tomás, muito
espantado, pois não fazia anos.
─ Estás tão contente porquê? - perguntou a Mãe de Tomás.
─ Fui despedido querida! Era a oportunidade de que estava à
espera! Lembras-te daquela empresa exportadora que sempre quis montar? Pois
começo hoje mesmo, depois do jantar.
─ Parabéns! - exclamou a Mãe - Sei como isto era importante
para ti. Vou fazer gambas!
─ Sim querida! É uma oportunidade. E sabes, não aceitei ser formalmente
despedido, porque assim o Estado ia dar-me subsídio de desemprego e agravar o
deficit. Assim que o chefe me disse que ia ser despedido, despedi-me eu!
E beijou Tomás e a Mãe, unindo-os num abraço. Tomás tinha
muito orgulho no pai, mas tinha uma dúvida.
- Ó pai, o que é o deficit?
Os pais de Tomás olharam um para o outro. Chegara a altura
da pergunta complicada. Sentaram-se no bonito e confortável sofá italiano.
- Querido filho, já és crescido e tens de compreender certas
coisas. Sabes, nem toda gente é como o teu Pai, trabalhadora e optimista. ─
disse a Mãe.
- Não? - perguntou Tomás, muito espantado.
- Obrigado querida. Não, filho. Há pessoas que vivem do
dinheiro que o pai faz nos Mercados. O pai tem de trabalhar o dobro para te
poder pagar o colégio. Porque grande parte do dinheiro vai para as pessoas de
esquerda alimentarem o monstro do deficit.
- O deficit é um monstro, pai? ─ Tomás arregalou muito os
olhos.
- Sim filho. Um monstro socialista enorme, com escamas,
grande boca cheia de dentes e muito comilão. Come dinheiro e está sempre com
fome de mais e mais. As pessoas de esquerda gostam dele e dão-lhe de comer
porque em troca o monstro dá-lhes rendimentos mínimos, empregos no estado e subsídios para fazerem
filmes. Lembras-te daquele filme que a tua mãe comprou por engano, do Cesar
Monteiro, o Branca de Neve?
- Lembro! Era horrível pai! O ecrã todo escuro! Só vozes!
Tive muito medo.
- Bom, mas não falemos de coisas tristes! - exclamou a mãe -
Vamos para a mesa festejar!
Entretanto, na margem sul, Tomé tinha pais de esquerda e brincava
com um velho pião de madeira e um carrinho de lata, no chão da cozinha, indiferente aos tiroteio entre ciganos que decorria todos os dias na rua aquela hora. Estava
a distrair-se um pouco antes de ter de cozinhar o jantar. A mãe de Tomé não
trabalhava, vivia de baixa médica e ficava na cama a fumar o dia todo e a comer
chocolates. O pai de Tomé era sindicalista e chegou a casa muito corado e a
cheirar a vinho.
- Fizeste o jantar? - perguntou o pai a Tomé.
- Ainda não pai, desculpa.
O pai de Tomé assentou-lhe um estalo com muita força no ouvido. Ele caiu para o lado e ficou atordoado. O pai foi buscar cervejas
ao frigorífico e voltou para o pé de Tomé.
- Pequeno camarada, esse estalo, não fui eu que te dei. Foram os mercados,
entendes? - disse o pai.
- Sim pai.
- Os mercados é que me obrigam a beber para suportar o
terrível trabalho de que sou vítima. Entendes?
- Os mercados são maus, pai.
Do quarto onde dormia a mãe ouviu-se um lamento prolongado, como
um uivo de um animal ferido.
- Despacha-te a fazer o jantar, a tua mãe está com fome. Vê
o que os mercados lhe fizeram. Ela não era assim. Sabes porque está assim?
- Sei pai,os mercados.
- Os mercados... malditos.... A tua mãe era muito
bonita e alegre. Ainda me lembro de quando a conheci na Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas. Tinha uma sexualidade livre, foi o que me atraiu nela. Todos
os professores gostavam dela e tinha excelentes notas. Era assim, cheia de amor para dar a todos, a tua mãe. Às vezes iniciava jovens de cor na vida sexual para
combater o racismo. E olha como está agora… E sabes porquê, pequeno camarada?
- Os mercados pai?
- Exacto. Os mercados. Não deixaram que o nosso querido deficit lhe desse o emprego de filosofa
que ela pretendia, foi obrigada a trabalhar numa empresa privada, explorada
pelo patrão… Às vezes chegava a fazer uma hora a mais de trabalho. Um dia,
tinha trabalho para fazer em casa, num fim de semana e foi aí que entrou em baixa médica. Pobrezinha.
O pai de Tomé chorou lágrimas amargas de socialista, com a mão tapando a cara vermelha e inchada do vinho.
Tomé tentava concentrar-se na cozinha enquanto ouvia o pai choramingar e os lamentos guturais da mãe. Para poder mexer nos tachos tinha de se pôr num banquinho manco e às vezes desequilibrava-se e agarrava-se ao fogão, queimando as pequenas mãos frágeis de criança.
Tomé tentava concentrar-se na cozinha enquanto ouvia o pai choramingar e os lamentos guturais da mãe. Para poder mexer nos tachos tinha de se pôr num banquinho manco e às vezes desequilibrava-se e agarrava-se ao fogão, queimando as pequenas mãos frágeis de criança.
17 comentários:
Só falta acrescentar, para a lição ficar completa: "E o pai de Tomás, sindicalista de esquerda, bêbedo e explorador, também comia criancinhas ao almoço."
Esta sátira está simplesmente deliciosa, caro Tolan!
Parabéns!
Decerto que ela é que deveria ser a publicada em livro e não a tal historieta com ursos...
O mundo anda às avessas...
Convido quem quiser a espreitar os meus cartoons sobre os meninos, varito, vitinho e outros no meu blogue, "Alegrias e Alergias".
Estas criancices que nos desgovernam , cá e no mundo inteiro,merecem muitos "retratos".
Já o tiveste mesmo em mãos?
(tenho alguns motivos para achar que é ainda mais imbecil que isto, que a tua sátira no máximo pecará por defeito)
Esta foi a aparição do meu dia.
Subscrevo o comentário da Rita.
E é (ou foi muito tempo) o Nuno Saraiva membro da Associação Renovar Mouraria http://www.renovaramouraria.pt/
Tolan à presidência de qualquer coisa, já. Amo você.
Amei, as usual
Lindo :DDD
Esta "adaptacao" do livro em questao é tao parva como o dito
genial meu caro Tolan, it does not match the original book, it surpasses it...
Izzie, tou contigo
de facto quem se lembra de fazer a versão esquerda e direita. a sequela está pronta: a crise do ponto de vista dos negros, gays e descendentes de casas reais. nojo.
Simplesmente Estúpido...
Estudo Filosofia na Fcsh, não consegui deixar de parar de rir à gargalhada com isto.
Excelente!!
Delicioso !
Vou comprar o livro so para poder saborear melhor este post...
Boas
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