terça-feira, 24 de abril de 2012

a lição


Acabei de ler a peça A Lição de Eugene Ionesco enquanto comia um hamburguer à portuguesa no irish da doca de santo amaro, à beira do tejo, indiferente às pessoas que escolhem esta área para correr com fones  e bodys de licra e passam a ofegar de autoflagelação desportiva. Gostei (da peça) mas, como todas as peças de teatro que li, causou-me uma sensação um pouco estranha, como se estivesse carregada de simbolismos e fosse uma fantasia esquemática. Mesmo na insuspeita peça de Tchékov, A Gaivota, as personagens ocupam posições simbólicas: jovem escritor falhado, o velho escritor consagrado, a actriz consagrada, a actriz aspirante falhada, a Gaivota morta, o escritor morto… Os diálogos acontecem e o tempo é denso e mágico, quando a vida real é como o universo, cheia de matéria negra de silêncio, nada, absurdo e contemplação. 

Suponho que faz parte da linguagem e das formas dramáticas este universo carregado de energia de palavras e acções. O texto tem de ir da cabeça do autor, para a do actor para a do espectador. A própria experiência do teatro, como a sala escura do cinema,  predispõe para o encantamento e é potenciada por luzes, som e encenação. Talvez o domínio do tempo seja um trunfo da literatura, pode-se congelar um instante por tempo indefinido, avançar, recuar, misturar tudo. No teatro o agora é tudo, é preciso acontecer algo, mesmo que nada aconteça, a própria espera é um acontecimento, tudo é linear.

O proclamado anti-teatro de Ionesco não é A Lição, que, pela leitura, me pareceu ser bom teatro e igual a bom teatro (embora me falte a perspectiva histórica para não considerar um cliché um Professor que mata a Aluna e uma braçadeira nazi que o protege da justiça etc. me falte a consciência das reacções à peça na época e tudo isso porque sou ignorante e por isso emito opiniões e já mal o faço a propósito de literatura notem bem, só estou à vontade é em terreno novo e...)

O verdadeiro nada não pode vir de vontade humana. Tem de provir de algo aleatório e frio e desinteressante, como são desinteressantes os exercícios de Burroughs com bocados de jornal misturados ao acaso para formar texto, especialmente se o leitor souber que foram feitos assim e que depois lhe exigem atenção e tempo para ler aquilo. O anti-teatro deve ser simplesmente mau teatro, como uma anti-restaurante, é um restaurante ali na zona do Parque das Nações.




3 comentários:

tiago leal disse...

Xiça, dois nós no cérebro... :D

Anónimo disse...

Um bom livro de teatro para ler, com duas peças dos irmãos Presniakov: Terrorismo e No Papel da Vítima, dos "Livrinhos de Teatro" dos Artistas Unidos.

Anónimo disse...

Anti teatro nesse sentido que falas é o no dice dos nature theatre of oklahoma, um gajo até engole em seco como pode algo tão bom ser feito ainda hoje. Recolha de textos ao telefone com desconhecidos, montagem dessas conversas em corte e costura e uma representação cheia de clichés e de gozo com ideias feitas, adoro o pirata com o peot dos judeus.mas aqui acho q n há texto sem representação, aquele nasce com este.