terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Carta de S. Valentim

Olá giraça,
Err hmm.
Cof cof
Vou fazer um post longo, assim as pessoas desistem.
Olha, trouxe-te isto. É o meu ouriço cacheiro. Toma. É teu. Toma conta dele. Tem pulgas e se ralhas com ele, enrola-se numa bola e eriça os espinhos.
Vamos passear um bocadinho aqui no bairro. Aqui é a tasca do Antunes, aquele é o casal de alcoólicos que moram no número 8. Ele arrasta-a pelo braço para casa. Ela fala sozinha na rua e um dia ralhou comigo ao balcão, porque pus o maço de tabaco dentro do saco de plástico com as cervejas. Disse-me com uma voz arrastada “assim vais estragar o tabaco todo, com a humidade das cervejas”. Agora já sabes. E aquele ali é o cigano do chapéu e dos três cães iguais, diz que a ele lhe podem fazer tudo mas que se lhe tocam com um dedo só num dos cães ele vai buscar a caçadeira a casa. Já o vi fazer isso uma vez na fila do frango assado e a fila dispersou, o que foi bom porque estava a ver que ia esperar meia hora para ser atendido. Este aqui é o esquizofrénico de estimação a quem dou cigarros e euros e me sinto boa pessoa, como aquelas velhas beatas a sair da missa que dão euros aos pobres espojados no chão.
Uma vez o sol reflectido no mar bateu-te assim em cheio nos olhos verdes e depois pensei que estava num romance russo do século XIX e disse-te que eras a mulher mais bonita que já tinha visto na vida. Desculpa se o meu discurso não foi coerente e se o resultado foi um longo silêncio desconfortável até te pôr em casa, interrompido apenas pelo teu pontual manifestar de vontade de sair do carro em andamento. Não há duelos hoje em dia nem histórias de amor românticas e extremas. Já manifestaste essa preocupação que eu, aliás partilho e lamento.
A primeira vez que nos encontrámos bebemos 20 bloody marys, 10 cada um, com ofertas da casa e fiquei enrolado numa bola. E da segunda também nos ofereceram vinho porque quase acabámos com o que eles tinham. Vamos deixar uma marca lendária em todos os bares de lisboa, empregados vão afastar cadeiras e… já leste isto.
Não subestimes a minha estupidez, sou capaz de tudo. Uma vez, por exemplo, pensei que era sábado e não era e não fui trabalhar e depois ligaram-me a perguntar por mim e fingi que tinha tido uma fuga de água e fui para o escritório só da parte da tarde. E outra vez paguei um pequeno almoço com moedas de reais porque as confundi com euros e o empregado disse-me “isto não são euros” e eu pedi desculpa pelo engano. Eu sou assim, muito espontâneo, sempre a testar os limites, como sabes.
Sei fazer malabarismo com três bolas, imitar o pato donald e o francisco louçã. Não entendo muito bem porque isto não foi suficiente, mas admito que num primeiro encontro possa deixar as pessoas apreensivas.
Esta noite o alce perfumado, o urso rezingão, o guaxinim neurótico, o esquilo generoso, a coruja sábia e o hamster radioactivo estão a jogar poker, mas deixei-me disso. Ainda estou a dever dois quilos de avelãs à coruja sábia. O esquilo generoso está a perder, como sempre.
Quando olhas para o céu de Lisboa à noite não dá para ver as estrejas por causa da iluminação e só se vê um laranja baço. Tens de imaginar as estrelas por detrás das nuvens. É assim que te vejo de manhã, zonza de sono. Já andaste de avião? Desculpa perguntar, como és de esquerda, assumi que não sabes o que isso é. Acho sempre que as pessoas do teu tipo só andam de bicicleta, de comboio ou naquelas VW pão de forma. As pessoas de direita andam imenso de avião, até para ir ao Porto. Quando descolamos da portela, passamos as nuvens laranja e fica tudo muito escuro e cristalino e vê-se muitas estrelas até vir a hospedeira fechar a escotilha para dormirmos todos muito sossegados.
Eu nunca durmo nos aviões porque a ideia de estar a 10 mil pés de altitude por cima do atlântico e a 800 km/h põe-me nervoso. Chama-me mariquinhas. Preciso de vários whiskys que o meu patrão (que viaja em 1ª) me vai trazendo ao longo da noite porque ele também não dorme. Mas se estivesses ao meu lado não me sentiria nervoso. Se o avião caísse, morríamos os dois e era bonito, ninguém mais te punha as patas em cima.
Gostei muito da forma como fugiste do carro a primeira vez que te toquei no pescoço. Foi uma coisa dramática (parabéns) e pude avaliar-te o rabo enquanto te afastavas.
És uma prostitutazinha dos palcos, adoro-te. Já te falei do pânico que tenho de actrizes? Isto vai correr bem. Se começar a correr mal vou escrever o teu argumento e dar-te as instruções, para correr tudo bem.
Acho sempre que vocês desmaiam à menor contrariedade, com as costas da mão encostadas na testa. Desde que não me faças isso em público, estamos bem. Andaste no ballet e tiveste aulas de expressão corporal, o que pode explicar o facto de deixar rapidamente de ouvir o que me estás a dizer e fixar a minha atenção nas tuas patinhas mágicas que desenham conceitos abstractos.
As palavras não significam nada, o tom de voz é que…  
Podia escrever a noite toda. Resumindo:  estou apaixonado por ti.
Amanhã é o dia dos namorados e o que eu queria saber é se podes jantar comigo?
Um amigo (aquele do scam ucraniano do bot que lhe mandou mails de amor) quer combinar uma noitada de poker e preciso de saber. 

Obrigado.

7 comentários:

Isa disse...

O porco sujo? tu frequentas o porco sujo? comé que nunca me cruzei contigo no bairro, caramba? ixi, se calhar já me cruzei e nao sabia :|

Vareta disse...

O teu talento epistolar é pungente...

Pipoca dos Saltos Altos disse...

Delicioso :)

Alexandra, a Grande disse...

É pá, não. Vai lá jogar poker. Ou Battlefield. Sim, sim, parece-me mais adequado.

trollofthenorth disse...

O guaxinim neurótico faz bluff.

-_- disse...

Sim, posso :)

Tolan disse...

YESSS! WHOOOWHOOO!!!!! \0/