terça-feira, 8 de março de 2011

John Galliano


O caso John Galliano é paradigmático do Big Brother que veio dos social media e da profusão de telemóveis com câmera de filmar. Para mim, isto resumia-se a achar o John Galliano um palhaço, como o Mel Gibson ou o Michael Richards (Kramer). Os famosos têm tendência a ter sobre si as objectivas todas e aquilo que connosco seria resolvido em privado (exemplo: seríamos julgados por ofensas verbais etc.) no caso deles, transformam-se em manifestos públicos, mesmo num país que acabou de publicar uma sondagem em que Marine Le Pen surge à frente. Até o pobre David Hasselhoff, com uma bebedeira descomunal, rastejando pelo chão da casa, filmado em privado pela filha e colocado no youtube, tem de pedir desculpas públicas ao mundo e é considerado um mau exemplo etc.

Percebo que Galliano seja despedido, o posto dele precisa de uma imagem pública decente, é bom para o negócio.  E percebo que seja julgado por ofensas racistas. Tudo dentro da lei. O que mexe comigo é a hipocrisia do linchamento global. Ele é um estilista, faz trapinhos excêntricos, enfrasca-se e tem maus vinhos e ideias políticas tão superficiais como o corte de cabelo. Mas quando algo é tão evidente assim (e associado a alcoolismo) eu não me comovo particularmente. Natalie Portman era representante de um perfume da Dior, isto diz bem do 'pouco impacto' que o antisemitismo de Galliano tinha na própria casa.

Há poucos meios mais fascistas que alguns mundos da moda, particularmente o da alta costura excêntrica e niilista. Exige uma cultura de superficialidade absoluta que se leva a sério. Desde o uso de modelos menores e anoréticas que estabelecem padrões pouco naturais para a beleza, passando pela fronteira difusa com a prostituição e pornografia e pela promiscuidade como ferramenta de ascensão (exemplo Renato Seabra), acabando no culto do luxo inacessível, volátil e descartável a cada estação, tudo polvilhado de cocaína, é um mundo feito de selecção e eugenia, de elitismo supremo. Deixa para trás uma lixeira de corpos que deixam de servir a máquina assim que surge o primeiro sinal de idade. Não é uma eugenia ou racismo mais 'real' o impor de um padrão inacessível e exclusivo para o próprio corpo humano, algo que segrega e descarta pessoas porque são fisicamente inadequadas? Mas nós gostamos e compramos. A moda em si não me causa repulsa, o lado artístico, experimental e estético. Até o acho fascinante, no mesmo sentido em que acho fascinante a tecnologia e estratégia militar. Percebo que para criar aquilo seja necessário um monstro que não é bonito. Por cada Galliano deve haver uma dúzia de monstros de um tipo ou outro, no mundo da moda. Não sejamos hipócritas, só isso.

1 comentário:

Edgar V. Novo disse...

Esta perspectiva de que o Big Brother idealizado por Orwell poderá estar a ser cumprido, não pela mão directa do Estado, mas pela mão das massas que usam esses gadgets e telemóveis a toda a hora e em todos os locais ainda está para ser bem explicada e denunciada.

E no fundo, a nossa privacidade foi às urtigas com o youtube.