Nunca fui muito do espírito de caserna, isso de andar todo nu em balenários desportivos depois do treino de natação, a dar chicotadas no cu da malta com uma toalha enrolada. Abominava a merda do balneário masculino, os sons nojentos, os escarros no duche, as gargalhadas alarves a ribombar pelos azulejos quando dois começavam à luta ou alguém era vítima de uma partida estúpida. O balneário feminino, por outro lado, fascinava-me. Só tinha cabeça para isso, para o balneário feminino, imaginar as minhas colegas todas nuas no meio de vapores perfumados, a ensaboar-se umas às outras a beijar-se debaixo do duche, como as mulheres fazem quando nós não estamos ao pé... Só queria vestir-me o mais rápido possível para garantir que conseguia interceptar a A. à saída do ginásio, perfumada do banho e corada. Era popular, a A. Durante o dia na escola não me conseguia aproximar dela. Era daquelas que mal se dava com as pessoas da própria turma na escola. O facto de fazermos natação os dois à mesma hora tinha sido uma feliz coincidência. Bom, não foi bem coincidência, eu inscrevi-me lá de propósito. Mas foi uma coincidência descobrir que ela fazia natação. Nem sequer tinha nível para aquilo e quase chumbei no teste, tive de pedir por favor por favor por favor. Os treinos eram duros, uma hora e meia e eu não podia ficar para trás. Não apenas por uma questão de orgulho, mas sim por motivos práticos, as pistas eram tão estreitas que não dava para ultrapassar ninguém e às tantas agarravam-nos nos tornozelos e puxavam-nos para baixo de água e passavam-nos por cima. Depois acompanhava-a até a casa porque éramos vizinhos. Mais ou menos vizinhos. Ela vivia quase do outro lado da cidade. Mas era a mesma cidade. Não era muito grande. Eu dizia que era perigoso ela ir sozinha. Uma rapariga não pode andar por aí sozinha. Ela gostava de falar comigo, ria-se muito. Eu mentia imenso. Se fosse preciso dizer que tinha andado à pancada e que por isso é que estava a coxear - e não por me terem afiambrado uma paralítica na coxa - eu dizia isso, com todos os detalhes. E depois inventava ainda mais. Aprendi a inventar muito foi com elas. Também aprendi a nadar bem. No fim, ficava sempre um bocado frustrado porque quando chegávamos a casa dela não notava qualquer hesitação ou melancolia na despedida. Dizia-me tchau, entrava em casa e pronto. Mas eram 15 minutos do caraças, valiam o treino e o balneário masculino. Há coisa que não mudam. Acontece-me ficar embasbacado a olhar para a Plaft pela cortina semi-transparente a transbordar de vapor. É uma coisa extraordinária. E a forma como depois ajeita a toalha, num misto de pudor e exibicionismo que pede para ser devida e severamente castigada... Mesmo que não seja sempre essa a intenção dela, é preciso dizê-lo. Especialmente quando está atrasada para qualquer coisa, cheia de stress e me berra "SAI DAQUI!!!" Com o tempo aprendi a ler esses sinais subtis. Também continuo a abominar o espírito de caserna. Digo isto, porque o espírito de caserna me persegue como uma maldição: na universidade (tinha de ouvir vinte minutos de bocas por ter ido com elas ver o Titanic em vez de ficar a jogar à espadinha e a beber cerveja com eles), no trabalho (a homofobia como cimento de sólidas relações másculas entre pares engravatados) e até nos blogues onde o facto de eu ter 80% de leitoras do sexo feminino é considerado um problema. Ah ah. O Elvis havia de se ralar muito com isso.
LOL Pensei que ter muito publico feminino era uma coisa boa... as coisas que eu cá aprendo...
ResponderEliminarDESBOCADO!
Porra, Tolan... obrigada pelas gargalhadas. a sério. enquanto lia, só pensava: ai se a Plaft lê isto, carrega-lhe, mas quando leio aquela poesia "Acontece-me ficar embasbacado a olhar para a Plaft pela cortina semi-transparente a transbordar de vapor. É uma coisa extraordinária. E a forma como depois ajeita a toalha, num misto de pudor e exibicionismo que pede para ser devida e severamente castigada". BRAVO!
ResponderEliminarque nostalgia que me deste agora tolan. eu, como cresci num bairro chunga em Paço de Arcos e o director da piscina municipal era pedófilo, tenho uma história espectacularmente sórdida que envolve as miúdas populares lá da escola, homofobia, madrugadas a fazer corridas debaixo de água, tangas de fio dental e matrecos. estou indeciso entre fazer dela um texto para o blog ou uma declaração na PJ.
ResponderEliminarNem o Elvis nem o José Estaline.
ResponderEliminarAHAHAAH aperta com ele ZÉ!
R.
pois...
ResponderEliminarhttp://blogdolapso.wordpress.com/
isto de impressionar 80% gajas não é fácil...
O tom, o tema, e a intensidade do texto mereciam uma outra qualidade literária, mas já sabemos que neste particular discordamos um pouco.
ResponderEliminarEm relação ao tema - uma coisa que me interessa - o problema dos 80% é em primeiro lugar inveja, há que assumir com frontalidade masculina o facto, e eu, que solidariamente sempre detestei também o espírito de caserna e achava/acho estranho que gajos muito másculos se passeassem nus e se perseguissem mutuamente rabos no recreio com os chapéus de chuva, devo no entanto declarar que uma coisa é os gajos serem broncos e outra coisa é a distinção mental. Será que apenas admiramos os beijos no chuveiro movidos pela curva de um seio? Não há diferenças na leitrua do mundo?
O que é estranho Tolan, não é recusar a boçalidade - recordo que Aquiles chorou a morte de Pátroclo, usava um escudo do mais fino recorte estilístico mas rachava troianos ao meio - o que é estranho é querer abolir a fronteira que torna o país a conquistar verdadeiramente apetecível e redentor.
mas reforço que o texto é muito intenso, para que não restem dúvidas. Há qualquer coisa da tranquila tragédia contemporânea que passou muito bem neste post: explora isso.
ResponderEliminarPelos vistos isto aqui funciona à base de crítica literária, por isso: atenção às virgulas!
ResponderEliminarUma história estupenda. É o drama do melhor AMIGO, do confidente, do porreiraço, aquele que todas gostam, mas nenhuma quer A SÉRIO... Deixa lá... Fartaste-te de escrever romances de cordel, mas no fim ganhaste o Nobel da literatura :):)
ResponderEliminarEu dividiria o problema dos 80% em dois. De um lado tens os invejosos. A inveja eh um sentimento basico, tao natural como a sua sede, logo, faz parte do territorio. Ate aqui tudo bem. O grande problema, dentro do teu problema dos 80%, sao os que acham que teres muitas leitoras femininas eh indicativo da ma qualidade da tua prosa. Porque ja se sabe, as gajas so gostam de falar de emocoes basicas e nao percebem nada das grandes questoes que atormentam a humanidade, 'tas a ver?
ResponderEliminarMaravilhoso este texto.
ResponderEliminarAgora magoaste. Profundamente.
ResponderEliminarRiposto.
ResponderEliminarÓ p'ra mim a ser sensível:
"Poema Eléctrico
Um poema eléctrico é um poema ligado à corrente.
Sanguínea."
Toma.
Enfiaste a viola no saco?
Não precisavas de ser tão duro. Debaixo desta capa de macho esconde-se alguém revoltantemente (de revoltado) sensível. E macho.
A pessoa morre a rir com os teus textos.
ResponderEliminarMas, pá, disclaimer: eu sou gaja há uma porradona de anos e nunca vi nem protagonizei beijos no chuveiro. Serei anormal?
Izzy, Tens toda a razão. Quem vê um problema numa assimetria de género na audiencia a pender para as mulheres, é nisso que pensa. São leitores menores, ficam na rama emocional, auto-regozijam-se com a familiaridade mais banal... Em todo o caso se o público é mais feminino na percentagem que ele escreve, devemos analisar isso com cuidado. pode ser relevante entender porquê, ou por outras palavras porque é que os homens não conseguem entender o bom que esta prosa é.
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